Aprofundamento da desigualdade

Aprofundamento da desigualdade

"Reforma da Previdência é uma proposta de aprofundamento da desigualdade"

por Renan Truffipublicado 06/12/2016 

Ruy Braga, professor da USP, alerta que proposta ignora descompassos regionais e sociais e também a informalidade no mercado de trabalho

Ruy Braga

"Uma parte [da população] é uma submetida a essas regras draconianas e a outra parte fica de fora, como os militares", critica o professor

 

Nesta terça-feira 6, o governo de Michel Temer encaminhou para a Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 248, a PEC da reforma da Previdência, que altera as regras atuais da aposentadoria. As medidas são consideradas duras pelo próprio Planalto, que fez isso ciente de que o texto deve sofrer modificações no Congresso.

Ainda assim, a PEC 248 contém propostas irreais e outras que podem aprofundar a desigualdade no Brasil.

O diagnóstico é de Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP), especialista em sociologia do trabalho e autor do livro A política do precariado: Do populismo à hegemonia lulista. Aqui, Ruy Braga comenta quatro dos pontos mais polêmicos do texto, que devem gerar debates intenso em 2017.

A idade mínima e a desigualdade regional

A proposta de Temer estabelece uma idade mínima para aposentadoria e amplia o número mínimo de anos para a concessão do benefício. Se aprovada, a proposta coloca como requisito para aposentadoria 25 anos de contribuição e 65 anos de idade.

“A rigor o que você está fazendo é estender o tempo de contribuição e tornar mais seletiva a possibilidade de entrar no regime de aposentadoria. Isso evidentemente causará uma série de impactos no tocante ao fato de que o Brasil é muito desigual em termos demográficos”, explica Braga.

“Essa demografia acaba fazendo com que, por exemplo, um piso de 65 anos para aposentadoria exclua uma série de estados da federação onde a estimativa de vida da população masculina é de 65 anos ou até mesmo menos. É o caso do Maranhão e Piauí. Isso está significando um retrocesso muito grande em termos de proteção social”.

Militares poupados e a desigualdade

O governo federal argumenta que, caso não seja feita uma reforma, não será possível garantir recursos para o pagamento das aposentadorias a partir de 2025. A equipe de Temer optou, no entanto, por não mexer nas aposentadorias e pensões de militares, responsáveis por um déficit de 32 bilhões de reais. 

"Essa reforma da Previdência é uma proposta de aprofundamento da desigualdade. Uma parte é uma submetida a essas regras draconianas e a outra parte fica de fora, como os militares. Então sem dúvida que é um projeto que aprofunda a desigualdade e não contribui com os objetivos redistributivos de proteção social da Previdência pública do País", resume Braga.

O tempo mínimo de contribuição e a precariedade do mercado

Atualmente, qualquer trabalhador pode requerer a aposentadoria após ao menos 15 anos de contribuição e 65 anos de idade. Há ainda uma regra que garante o benefício antes mesmo dos 65 anos, desde que se alcance 35 anos de contribuição, no caso dos homens, e 30 anos, para mulheres.

Para Ruy Braga, o aumento da contribuição mínima para 25 anos não encontra respaldo na realidade que o trabalhador de baixa renda vive no País.

“O mercado de trabalho brasileiro apoia-se, notoriamente, num tipo de manejo de sua força de trabalho que se organiza em torno de altas taxas de rotatividade”, argumenta ao citar demissões em massa e falta de estabilidade.

“A própria informalidade é uma barreira para esse tempo de contribuição. Não nos esqueçamos que hoje 44% da força de trabalho brasileira está na informalidade. Esses mecanismos que alongam o tempo contribuição tornam mais seletiva a entrada do trabalhador no sistema de aposentadoria. Isso é danoso”.

A aposentadoria integral fica mais difícil

Outra mudança sugerida pelo governo Temer é o fim do Fator Previdenciário e a criação de cotas para o pagamento de aposentadorias integrais. De acordo com a proposta, isso significa que, mesmo contribuindo por 25 anos, o trabalhador não terá direito à aposentadoria integral.

Pela PEC 248, se um trabalhador contribuir com uma média de 2.000 reais durante 25 anos, por exemplo, ele receberá uma aposentadoria de apenas 1.520 reais quando chegar aos 65 anos de idade, o que corresponde a uma cota de 76%.

Caso queira receber um valor superior, o brasileiro deverá continuar no mercado formal após os 65 anos ou começar a trabalhar aos 16 anos. Na prática, para ter acesso à média integral do valor contribuído, será preciso trabalhar formalmente por 49 anos.

“É totalmente irreal. Você não vai encontrar ninguém com 49 anos de contribuição entre aqueles que ganham até dois salários-mínimos. Hoje, o trabalhador perde o emprego, vai pra informalidade, fica alguns anos e volta para o mercado formal. Isso é a regra do mercado de trabalho brasileiro, ou seja um jogo de sobrevivência que os setores populares conhecem bem. Evidentemente que isso jamais somará 49 anos”, resume.

http://www.cartacapital.com.br/economia/a-reforma-da-previdencia-de-temer-aprofunda-a-desigualdade 

 

Entenda a reforma da Previdência (que vai fazer você trabalhar mais)

por Renan Truffipublicado 06/12/2016 

Pelas mudanças propostas pelo governo Temer, será preciso trabalhar 49 anos para ter acesso à aposentadoria integral

Valter Campanato / Agência Brasil

Michel Temer

Temer anuncia a reforma da Previdência: as coisas mudaram

Os homens e mulheres brasileiros terão de trabalhar por mais tempo para conseguir a aposentadoria, caso a reforma da Previdência lançada pelo governo Michel Temer seja aprovada no Congresso em 2017.

As novas regras, encaminhadas à Câmara dos Deputados, foram apresentadas nesta terça-feira 6 pelo secretário da Previdência, Marcelo Caetano, em Brasília. Entenda, nas perguntas e respostas abaixo, do que se trata a proposta.

Qual é a regra atual para as aposentadorias?

Há duas regras. A primeira é por tempo de contribuição. Os homens podem se aposentar com qualquer idade após 35 anos de contribuição ao INSS, enquanto as mulheres podem fazê-lo após 30 anos de contribuição, também sem idade mínima.

Há também a aposentadoria por idade. Os homens com 65 anos podem requerer aposentadoria aos 65 anos, desde que tenham ao menos 15 anos de contribuição. As mulheres, por sua vez, podem se aposentar com 60 anos, também com pelo menos 15 anos de contribuição. 

Qual é a proposta do governo?

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 248 exige que o trabalhador, seja homem ou mulher, contribua durante ao menos 25 anos com o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e estabelece idade mínima de 65 anos de idade para ter acesso ao benefício.

Esses fatores precisam ser combinados para que seja possível requerer a aposentadoria. Alcançar os 65 anos com menos de 25 anos de contribuição ou atingir os mesmos 25 anos de trabalho formal antes dos 65 anos de idade não permitirão o acesso à Previdência. 

Isso vale para quem?

Vale para os homens que têm menos de 50 anos e para as mulheres com idade inferior a 45 anos.

E como será possível obter o valor integral da aposentadoria?

Hoje, a aposentadoria integral significa receber o valor total do chamado salário de benefício, que é a média dos 80% maiores salários recebidos desde julho de 1994. Atualmente, esse teto é de 5.189,82 reais. Atualmente, o cálculo para chegar a esse valor é feito com base no Fator Previdenciário ou na chamada regra 85/95, sancionada pelo governo Dilma em novembro de 2015.

A proposta do governo Temer é acabar tanto com o Fator Previdenciário quanto com a regra 85/95, estabelecendo cotas para o acesso à aposentadoria integral.

E o que isso significa? 

Significa que, mesmo contribuindo por 25 anos, o trabalhador não terá direito à aposentadoria integral. Por exemplo, se um trabalhador contribuir com uma média de 2.000 reais durante 25 anos, ele receberá uma aposentadoria de apenas 1.520 reais quando chegar aos 65 anos de idade.

Caso queira receber um valor superior, o brasileiro deverá continuar no mercado formal após os 65 anos ou começar a trabalhar aos 16 anos. Na prática, para ter acesso à média integral do valor contribuído, será preciso trabalhar formalmente por 49 anos. 

Como ficam homens com mais de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos?

Os homens de 50 anos ou mais e as mulheres com 45 ou mais de idade entrarão nas regras de transição. Para esses casos, o governo impôs um outro cálculo para acesso ao benefício. Os trabalhadores deverão trabalhar mais 50% do tempo restante ao que faltava para se aposentar.

Por exemplo: um homem de 51 anos que estava a cinco anos de conseguir o benefício, vai precisar trabalhar 50% a mais do que esse período. Ou seja, os cinco anos da regra anterior mais dois anos e seis meses como "pedágio".

No caso específico desse trabalhador, portanto, ele precisará trabalhar até os 58 anos e 6 meses, em vez de parar aos 56 anos. O mesmo vale para as mulheres, só que a partir dos 45 anos.

A reforma atinge quem já se aposentou?

Não. A reforma da Previdência não vai atingir quem já se aposentou ou já alcançou as regras atuais para ter acesso ao benefício. Além disso, não serão modificadas, por enquanto, as regras de aposentadoria de militares.

 

http://www.cartacapital.com.br/economia/entenda-a-reforma-da-previdencia-que-vai-fazer-voce-trabalhar-mais 




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