Aos deputados
Aos deputados: renunciem aos seus gastos e paguem professores e policiais. Que tal?
Vou aderir ao discurso de que é preciso união, neste momento ímpar e triste da história gaúcha, e apresentar uma proposta aos senhores deputados estaduais. Embora algum gringo brincalhão possa devolver a piada aquela, do piso, e dizer “quer união, vá ao supermercado!”. Mas não vou fazer propaganda de marca de açúcar (uso adoçante) e nem de algum supermercado grande. Dizem que os gringos são assim, piadistas naturais. Eu, que também descendo de italianos – na verdade um ítalo-caboclo -, já não aprecio certas brincadeiras. Principalmente as que cutucam dores alheias, como ter uma remuneração injusta que mal sustenta os seus.
Sugiro aos deputados que, a fim de ajudar o governador a pagar o funcionalismo público gaúcho, renunciem aos seus proventos. Por uns seis meses, no mínimo. Convenhamos: os senhores já tiveram uma bela renda este ano, tiveram reajuste maior do que qualquer categoria profissional deste país e, ainda por cima, não gastaram com quase nada, pois têm tudo subsidiado pelo dinheiro do contribuinte: comida, transporte e outros quetais. Os senhores já fizeram uma bela poupança, com certeza. E receberam sempre em dia! Situação bem diferente de quem já ganha pouco e recebe, de repente, menos que um salário mínimo. O que é indigno, além de ilegal. Trabalho escravo oficializado?
Cortem todos os gastos da Assembléia Legislativa. Zerem sua verba. Mas zerem total. Afinal, o dinheiro nem é de vocês, é do povo. Alerto: vai que aquele pessoal, que se mobilizou contra o aumento das passagens de ônibus, acorda e entra em cena. O povo clama toda hora por segurança e educação, está até muito quieto e sem participar dos gritos de quem lhe presta estes serviços (e não só aos bancos). Estão calmos, talvez confiando numa saída breve àqueles que encaminham seus filhos a um futuro melhor, nas escolas, ou aos que chamam na hora do desespero, do assalto, do incêndio, do afogamento, do acidente de trânsito. Mas vai que hora dessas o povo todo se toca e se junta aos manifestos? Já pensou?
Aí fica feio mandar a polícia, que os senhores mesmos ajudam a não ajudar, mandar bater em manifestantes que só pedem justiça. Muito feio.
O custo de cada carro cadastrado por gabinete na Assembléia Legislativa pagaria, em média, uns 20 professores. Dá uma ou duas escolas inteiras só cortando os gastos de um veículo. São 55 gabinetes com até três carros (o que não entendo, se é um deputado só). E seria interessante, aos deputados, pegar ônibus como fazem seus eleitores todos os dias. Daria para sentir como anda o transporte público e pensar no assunto, vez em quando. Ou que tal umas bicicletas, deputados? Uns quantos aí estão precisando. Vida sedentária não é fácil, rouba a saúde de qualquer um. Seria um belo exemplo de adesão à melhora da qualidade do trânsito, que precisa menos carros nas ruas. Ô! Mas comprem suas bicicletas sem usar dinheiro público, por favor. Façam como os operários da nossa terra.
Quantos assessores tem cada deputado? Cada um deles, com o que ganha, paga quantos policiais? Quantos professores? E os outros funcionários aí da Casa do Povo, que recebem o que o povo nem sonha em ver na conta, um dia, se não ganharem nalguma dessas lotecas da vida? Quanto ganha, no total, com todos os parangolés de auxílio isso e aquilo, cada um dos senhores, nobres deputados? Olha. Dá pra ajudar um belo número de servidores públicos da linha comum, em todas as áreas.
Vamos nessa?
Eu sei, alguns deputados de coração nobre (tem algum, ainda acredito) reconhecerão que dá para ficar até um ano sem receber, pois o que o professor ganha em um ano não chega aos seus salários mensais. Tá, a gente aceita. Nenhum centavo à Assembléia Legislativa, para nada, até que professores e policiais assistam ao retorno da sua dignidade mínima. Porque, com menos que um salário mínimo, é impossível. Experimentem união, deputados. União! E respeito. Principalmente ao povo, que sente falta de policiais e professores atuando motivados outra vez (o desânimo está geral e não tem como ser diferente). Mas dos senhores (desculpem a franqueza) não sentirão. Alerto: o açúcar até vai, mas respeito é algo que não se compra no supermercado da esquina. É prática cotidiana. E só o que se pede, nesta hora.
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