Antes, o nada, agora pior
Sartori antes era o nada. Agora ficou pior
José Ivo Sartori, admita-se de saída, nunca enganou ninguém. Ele chegou ao governo do RS dizendo que não sabia o que iria fazer. E, de fato, durante dois anos não fez quase nada. A crise do estado foi o tema central da campanha de 2014, pelo que ele não podia dizer que a ignorava, ou que não sabia de sua dimensão. Mas afora medidas meramente paliativas, ainda que algumas fossem fortes, como um aumento de impostos, nunca teve a capacidade de apresentar um projeto de desenvolvimento que impulsionasse o RS a sair da crise em que está. O próprio aumento de impostos foi horizontal, a varrer, e não destinado a incentivar este ou aquele setor que pudesse contribuir com o crescimento da economia.
A sensação de paralisia no estado chegou a tal ponto que certamente é, ao lado do aprofundamento da crise econômica e da recessão com o desastroso governo Temer, uma das principais causas da inédita elevação das taxas de criminalidade no RS. O sentimento geral é de que não há policiamento e de que as polícias não têm recursos para proteger ou investigar. O resultado é o aumento dos crimes e da audácia dos criminosos.
E então Sartori decide agir. Depois de dois anos, já na metade de seu mandato. E manda um pacotão para a Assembleia cujo efeito só se pode comparar ao que teria um terremoto no pampa. Pura destruição.
Comecemos por analisar o que o pacote não tem. Mais uma vez não há uma só medida de incentivo ao incremento da produção e da produtividade no estado. Qualquer manual de economia fala que a sanidade fiscal tão buscada, em tese, pelo governo, há de ser obtida nas duas pontas, não só na despesa (como faz Sartori) mas também na receita. Não há uma só linha sobre o combate à imensa sonegação de impostos no Rio Grande. Não há, também, uma só medida significativa que busque dividir a responsabilidade da solução da crise com os ricos e com a elite. Há propostas meramente cosméticas ( como antecipar o recolhimento do ICMS em 9 dias no mês) ou então enganadoras e equivocadas, como a proposta de revisar em até 30% os benefícios fiscais oriundos dos créditos presumidos de ICMS de 2016 a 2018. Esta medida sequer é inédita (tramita desde 2015) e atinge principalmente os setores do leite e carnes, fundamentais na economia gaúcha e que trabalham com margens muito estreitas. Os grandes beneficiários das bilionárias isenções fiscais continuam, como sempre, intocados. O Pacote Sartori poderia ter como lema: O Estado está quebrado e o povo é o culpado!
Não se retire o mérito de alguns debates que o Pacotão traz, como a alteração da fórmula de repasse dos duodécimos, o fim da contagem fictícia de tempo de serviço ou mesmo a revisão de alguns benefícios desproporcionais na aposentadoria dos militares. Mas tudo isto parece apenas moldura para o projeto de privatização e destruição de órgãos públicos, destinados a obter um “caixa fácil”, no lugar do complexo trabalho de propor um plano de desenvolvimento.
Privatizar a CRM , que controla o setor do carvão , justamente agora que a tecnologia permite melhor aproveitar o produto gaúcho; vender a Sulgás, que tem um ótimo contrato em vigor de fornecimento de gás da Bolívia e entregar a CEEE, que teve recentemente renovada sua concessão e vem apresentando superávits, não faz o menor sentido estratégico para o Rio Grande e na melhor das hipóteses se destina apenas a obter caixa para pagar os salários que de outra forma o governo não consegue. Como os neoliberais adoram as metáforas familiares (tem que fazer como uma família, não gastar mais do que o salário que ganha…) o projeto de Sartori equivale a vender a geladeira para comprar comida.
Na extinção das fundações e empresas não só se vê uma brutal incompreensão com o papel do estado, como se depreendem motivações pouco nobres. Fechar a CORAG encherá o setor gráfico privado de encomendas. A FEE faz estudos e estatísticas que são indispensáveis para o Rio Grande. Dezenas de consultorias privadas lucrarão milhões para fazer, provavelmente com menor qualidade, o que fazia aquela instituição. E a extinção da TVE é um oportuno presente para o Grupo RBS, apoiador extremado de Sartori, até porque o mercado insiste em afirmar que aquela está a negociar sua venda. Fechar a concorrência, qualquer que seja, é um ótimo atrativo para novos investidores.
E nem vamos falar, por falta de espaço, em absurdos como o confisco do 13º salário ou a extinção dos adicionais por tempo de serviço, elementos essenciais a uma carreira no serviço público.
O Pacotão de Sartori é tão irracional que se pode legitimamente duvidar de sua aprovação, pelo menos com a extensão que veio. É um conjunto de medidas que, se propostas em março de 2015 como preparação a um plano de desenvolvimento, poderiam seduzir a opinião pública. Mas a meio mandato e isoladas, será um suicídio político para boa parte dos parlamentares. O PDT, que sonha com o Planalto em 2018 com Ciro Gomes e tem no RS o nome forte de Fortunati e, talvez, o de Jairo Jorge, vai embarcar nesta canoa para afundar junto com o PMDB? Mas não nos iludamos, porque a pressão dos grandes grupos empresariais que lucrarão com as privatizações e extinções, através da RBS e de outros veículos da mídia plutocrática, será enorme. A esquerda também pode aproveitar o momento e fazer algumas reflexões úteis. Ressurgiram na redes sociais os panfletos da direção do CPERS em 2014, ainda sob o comando de Rejane de Oliveira, recomendando que os professores não votassem em Tarso Genro. São mesmo todos iguais? O PT é igual ao PSDB? Social democracia é igual ao fascismo? Velhos debates redivivos…
O Brasil atravessa uma grave crise econômica e política, uma das piores de sua história. O Pacotão apenas aprofunda estas crises, ao incentivar a recessão e incendiar o estado. Muito poucos, uma meia dúzia, vai ganhar com isto. Milhões vão perder. Chega a dar saudade do tempo em que Sartori não fazia nada.
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Antônio Escosteguy Castro é advogado.
http://www.sul21.com.br/jornal/sartori-antes-era-o-nada-agora-ficou-pior/