Aligeiramento da formação
De como MEC e CAPES impõem o aligeiramento da formação e a desprofissionalização dos professores
O MEC lançou no último dia 01 de março, 3 novos programas e seus respectivos Editais, que constituem parte importante da política nacional de formação de professores: PIBID, Residência Docente e abertura de vagas na UAB para cursos de formação de professores.
Em uma façanha inédita na história recente das lutas pela educação pública em nosso país, o governo golpista não tem qualquer legitimidade para levar à frente as propostas de formação, conseguindo o rechaço das principais entidades científicas e sindicais da área educacional à política de formação de professores anunciada, feito somente alcançado no período da ditadura militar.
O investimento da ordem de R$ 1 bilhão de reais, anunciado com grande alarde, representa, na realidade, 1/5 do total de R$ 4.2 bilhões destinados à CAPES para 2018, e será convertido em ações que atingirão apenas 190.000 educadores, entre estudantes de licenciaturas, docentes universitários e professores das escolas públicas. Se considerarmos que temos hoje no país, aproximadamente 2 milhões de professores da educação básica e 2,4 milhões de estudantes nas licenciaturas, conforme censo de 2016, podemos ter uma idéia da importância real que as necessidades da educação têm para o atual governo, dado o insignificante e reduzido alcance destas iniciativas diante das necessidades históricas de formação de nossos estudantes e professores.
Vale lembrar que a ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – entidade que há 37 anos vem construindo referenciais importantes para a formação de caráter sócio-histórico, a exemplo da concepção de base comum nacional, tem se posicionado contrária à existência de programas pontuais submetidos sempre à lógica da variação do volume de recursos orçamentários adicionais às IES e secretarias de educação. Nossa defesa tem sido a de políticas permanentes, orgânicas e institucionais, incorporadas ao projeto institucional das diferentes IES públicas.
No quadro atual dos programas em questão, as IES públicas jogam papel subordinado, feridas na sua autonomia científica e acadêmica e em número muito inferior às privadas sem fins lucrativos , que mesmo sem condições, receberão recursos públicos para tal.
Mas o MEC e a CAPES, onde estão aninhados os programas, conseguiram ainda agregar a este “feito”, de uma forma autoritária e centralizadora, dois grandes “erros políticos”. Senão vejamos.
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A gestão atual da CAPES, demonstra a que veio no quadro deste governo ilegítimo, ao ignorar os mecanismos existentes em sua própria estrutura, que viabilizam a discussão democrática com a comunidade acadêmica e científica da educação básica. Deixa de convocar o Conselho Técnico Científico da Educação Básica, criado em 2007, quando a CAPES incorporou a formação de professores para a educação básica como uma de suas responsabilidades. Este CTC foi fortalecido no contexto do Decreto 6755 de 2009, que instituiu a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica, como instância responsável pela análise das políticas e programas de formação de professores. Sua lógica meritocrática e produtivista, que vem sendo questionada pelos programas de pós-graduação, impõe-se na educação básica de forma perversa, criando programas para poucos e de alcance restrito, via de regra criados pelas entidades científicas que não cuidam do ensino nas diferentes áreas. Fomento e avaliação são as palavras-chave preferidas na lógica meritocrática e produtivista necessária ao MEC atual.
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O MEC, por sua vez, ao instituir o Programa de Residência Pedagógica, ignora as experiências exitosas de residencia já existentes em nosso país – como a da UNIFESP criada em 2009 – e a Residencia Docente do Colégio Pedro II. Tudo pelo bem da BNCC e do currículo padronizado para viabilizar os testes nacionais, processos já recusados na Nova Zelândia entre outros países, berço das políticas neoliberais da década de 80.
Neste contexto, MEC e CAPES exigem e impõem ao CNE – que deixou de ser órgão de estado para ser órgão deste governo e se transformou no braço legal do MEC sem representatividade no campo educacional – apoio para que, de forma hierárquica junto aos CEEs e CMEs , além de CONSED e UNDIME, possam implementar a todo custo as políticas anunciadas.
Tanto o MEC quanto a CAPES cometem grave omissão ao abandonar a apresentação de ações que visem aprimorar as condições de trabalho dos professores, bem como a adoão de medidas legais para fazer estados e municípios cumprirem o disposto constitucional quanto ao pagamento do piso salarial profissional nacional em sua plenitude, aqui incluídas as horas-atividade necessárias ao estudo, avaliação e aprimoramento do trabalho pedagógico por parte de todos professores.
Toda a encenação que o MEC e a CAPES promoveram nesse período – desde outubro de 2017 quando anunciou as primeiras iniciativas no âmbito da formação – têm um único objetivo: Promover a adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de formação inicial de professores da educação básica às orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mirando as provas nacionais e fortalecendo a avaliação individual de estudantes – via SAEB e ANA – e dos professores, com o ENAMEB – Exame Nacional Avaliação do Magistério da Educação Básica, e o consequente ranqueamento das escolas “produtivas”, premiadas e recompensadas como estabelece o PNE em sua Meta 7.
Que alternativas de resistência temos diante deste quadro?
Em primeiro lugar, a resistência vai se dar em cada escola de educação básica e nas Universidades públicas, lugares privilegiados da formação humana integral e do embate de idéias que deve caracterizar o trabalho pedagógico e a formação dos sujeitos envolvidos no coletivo escolar.
Decisão importante se dará no interior das IES, fortalecendo o projeto institucional de formação via a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores, aprovadas pelo CNE em 2015, assim como a concepção de trabalho docente, formação e teoria e prática que as informa, rejeitando, portanto, o pragmatismo e o aligeiramento da formação sintonizada unicamente com a BNCC.
Nesse processo, o desafio das entidades cientificas e sindicais será mobilizar os estudantes e professores para novas formas de trabalho na educação básica, recusando a vinculação mecânica entre as propostas pedagógicas , BNCC e a consequente preparação dos estudantes para os exames nacionais.
E, nesse contexto, mobilizar os pais para formas criativas e inovadoras de participação democrática no coletivo da escola, informando-os e clarificando os objetivos deste novo currículo padronizado e o impacto dos testes na saúde física e psicológica de seus filhos.
Experiência interessante nesse sentido vem sendo desenvolvida nos Estados Unidos, através de uma rede de pais e professores que lutam contra a privatização das escolas públicas e coordena o processo de desobediência civil dos pais frente ao massacre das crianças pelos testes nacionais.
Nossa luta é árdua e longa.
Ela não será enfrentada apenas driblando Editais na falsa expectativa de disputar uma bolsa que submeterá a todos estudantes e professores – às amarras da lógica estreita e produtivista da BNCC, retirando-lhes o que de mais caro possuem quando se formam e se tornam professores: sua autonomia intelectual, capacidade crítica e solidariedade com seus parceiros e estudantes na construção de uma sociedade justa e igualitária como presente e futuro.
DECRETO Nº 8.752, DE 9 DE MAIO DE 2016 - Dispõe sobre a Política Nacional de Formação dos Profissionais da Educação Básica.
Revogou
o Decreto no 6.755, de 29 de janeiro de 2009; e
o Decreto no 7.415, de 30 de dezembro de 2010.