A importância do recreio

A importância do recreio

O recreio não pode ser só depois do toque /premium

  • Maria Francisca Macedo

Enquanto professora, acredito que importa cada vez mais deixar cair os muros dos conteúdos predefinidos. Não podemos falar de matemática e ignorar as suas ligações com a biologia, a língua ou a emoção

Na minha infância, aquilo de que eu mais gostava na escola era o recreio. O que via, o que descobria, as invenções que fazia, as brincadeiras, as experiências, a exploração da Natureza! Se gostava das aulas? Nem sempre. Eram horas intermináveis de tabuadas, cópias e conversões. A minha letra nunca era suficientemente boa e escrever 20 vezes cada palavra errada tornava-se um verdadeiro tormento.

Depois, surpreendentemente, tornei-me professora.

Podia pensar-se que escolhi a profissão levada por um desejo masoquista ou até sede de vingança, mas não. A verdade é que fui levada pela minha paixão pelos recreios! As competências que aprendi nos intervalos ainda hoje me acompanham. Foi pelo tempo passado no recreio e pela experimentação que cheguei à biologia, à matemática, à escrita.

Talvez, por isso, tente trazer os recreios para dentro da sala e comece logo pelos elementos da Natureza: uso-o como mote para explorações, aventuras, jogos e brincadeiras com os meus alunos. Depressa percebi que a fusão da Ciência com a Criatividade tem uma influência extremamente positiva em todos eles. O resultado? Alunos mais motivados. Aqueles que, normalmente, se deparam com dificuldades nos modelos formais de ensino encontram aqui um caminho novo e apaixonante. Ao longo do tempo apercebem-se de que são capazes de aprender mais do que julgavam, de ultrapassar dificuldades e de se envolver com os conteúdos em estudo.

Foi a partir desta ideia que nasceu a coleção OClube dos Cientistas(publicada pela Booksmile). Um projeto cheio de histórias de aventuras, vividas por crianças, que estabelece relação próxima com os leitores, cativando-os e inquietando-os.  Cada livro tem um tema e enredo diferente que incita alunos, pais e professores a experimentar, a inventar e a descobrir coisas novas. Juntos, num percurso de relação e de aventura.

Enquanto professora, acredito que importa cada vez mais falar a mesma língua e deixar cair os muros dos conteúdos predefinidos. Não podemos estar a falar de matemática e ignorar as suas ligações com a biologia, a língua e, inclusive, com a emoção. Podemos até dar um passo atrás e olhar para a forma como a aprendizagem era encarada na época do renascimento. A polimatia, como domínio amplo de várias áreas do conhecimento, mesmo que aparentemente não relacionadas, ganhará cada vez mais presença.

Este projeto, sob a forma de uma coleção, não é um conjunto de manuais, porque não ensina conteúdos específicos. Antes estimula a perguntar, pensar e procurar respostas. Não mostra aos leitores o que devem fazer, mas guia-os na descoberta da sua própria autonomia. Não lhes apresenta as disciplinas como conteúdos estanques. Pelo contrário, ajuda-os a descobrir a pluralidade do universo e a capacidade de ligação em todos os assuntos. Ajuda-os a expressarem-se, a relacionarem-se, a deixarem-se fascinar pela aprendizagem e pela vida.

No entanto, o maior impacto (e o mais apontado por professores e alunos) é a maneira como une dois mundos distintos (o da ciência e o da literatura) e os coloca em comunicação, usando um para chegar ao outro e vice-versa.

Por um lado, crianças que gostem de ler são encorajadas a fazer experiências, sair do sofá e explorar o Mundo. Por outro lado, crianças ativas (pouco, muito ou híper!) são atraídas para estas aventuras com componente prática e descobrem — muitas vezes pela primeira vez — o prazer da leitura.

No fundo, é voltar ao recreio. É pegar nos alunos, independentemente do seu nível de (des)motivação e dar-lhes uma ferramenta: explorem, investiguem, descubram. Façam perguntas, procurem respostas. Esqueçam as “disciplinas” estanques e entendam que tudo está ligado, a matemática e as artes tocam-se, a ciência e a literatura fundem-se… e todas elas podem ser experimentadas, exploradas e compreendidas.

Estou confiante de que esta abordagem é uma grande mais valia para despertar o fascínio dos alunos, principalmente dos mais desmotivados. O melhor de tudo é que as aulas passam a ser autênticos intervalos. Engraçado como foi preciso chegar a adulta para adorar cada momento que passo em sala de aula.

Comigo, resultou. Com os meus alunos, também. Se possuímos uma solução, temos de a levar ao mundo! Afinal… quem não gosta de recreios?

Professora do 1º Ciclo e Autora

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.
https://observador.pt/opiniao/o-recreio-nao-pode-ser-so-depois-do-toque/ 

 

Parecer CNE/CEB nº 2/2003, de19/02/2003 - Orientações sobre a utilização do recreio como atividade escolar




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