A hora do Ensino Médio
A hora do Ensino Médio, mais uma vez!
Virou lugar comum entre os políticos, profissionais da imprensa, ativistas, pesquisadores e movimentos sociais que lidam com a educação, a afirmação de que o Ensino Médio, quando comparado com o Ensino Fundamental e o Ensino Superior, é o nível de mais difícil definição quanto à sua estrutura e suas finalidades. Essa é, na verdade, uma forma de escamotear as grandes disputas e jogos de interesses presentes nessa discussão.
Se, por um lado, o Ensino Médio é o coroamento da Educação Básica e, por suposto, da formação considerada básica para os cidadãos brasileiros se inserirem, com certa autonomia, nas várias dimensões da vida social, por outro lado, ele é também lugar e momento de preparação para a continuidade de estudos. E tudo isso está explícito na legislação que rege a matéria, seja na Constituição da República seja na LDB. Onde então, estaria a controvérsia?
À medida que mais e mais sujeitos pobres, negros e negras, chegam ao Ensino Médio e pleiteiam o acesso à universidade, um grupo de reformadores, notadamente aqueles mais alinhados ao patronato brasileiro, busca estabelecer a crítica a esse nível de ensino, caracterizando-o como excessivamente acadêmico. Para esse grupo, o Ensino Médio deveria ser, para uma parcela significativa da população (pobre), mais técnico e profissionalizante. Em geral, desse mesmo grupo vem a crítica de que há um excessivo número de disciplinas científicas, o que leva a um muito pequeno aprofundamento nos seus conteúdo e a uma formação dispersa que impede que os alunos tenham maior contato com o mundo do trabalho e suas exigências de qualificação.
O problema é que, numa sociedade extremamente desigual e excludente como a nossa, na qual a educação média e a superior sempre foram privilégio de alguns, essas críticas soam como elitistas, pois visam quase unicamente as escolas públicas dirigidas as estratos mais pobres da população. Pouco se fala, a esse respeito, das escolas acadêmicas das camadas médias. Essas, em boa parte, têm as suas estruturas e finalidades alinhadas às exigências de entrada no ensino superior público.
De outro lado, entre aqueles que defendem um caráter formativo para o Ensino Médio e buscam não reduzi-lo à formação profissional e para a preparação para o mundo do trabalho, não há consenso sobre como articular formação profissional e formação geral nesse nível de ensino; ou, ainda, de como articular a formação básica para o exercício da cidadania, com a necessária formação para entrar e permanecer com sucesso no ensino superior para aqueles que assim o desejarem. Há muitas propostas, mas há pouco consenso tanto no que se refere aos seus fundamentos quanto à sua operacionalização.
Nesses debates todos, às vezes temos a impressão de que os grandes ausentes são justamente os professores e os jovens que fazem e frequentam o Ensino Médio. A voz desses sujeitos, suas angústias e necessidade aparecem sobretudo nas interpretações dos técnicos, dos políticos e, não raras vezes, dos acadêmicos que se ocupam do tema.
Parece-nos que não haverá reforma do Ensino Médio que dê certo se não se dialogar abertamente com as demandas dos(as) profissionais da educação que aí atuam e que frequentam suas salas de aulas e corredores todos os dias. Não é possível pensar que vá dar certo uma reforma que não dialogue, por exemplo, com as demandas postas por aqueles(as) jovens que, de forma sistemática, vêm ocupando as escolas públicas por todo o Brasil. Eles dizem, cobertos de razão, na maioria das vezes, que estão defendendo a escola pública e o próprio Estado. Calá-los(as), física e simbolicamente como se faz, é apostar no fracasso de qualquer reforma.
Do mesmo modo, não se pode negligenciar, seja em que reforma for, a voz dos(as) professores(as) que atuam no cotidiano da escola. A acusação, às vezes leviana, de que apresentam reivindicações apenas corporativas é uma forma de tentar calá-los(as) e de não reconhecer as imensas dificuldades de se fazer um ensino médio de qualidade nas condições materiais e salariais em que se trabalha. Mesmo assim, esses profissionais estão lá e fazem uma escola pública certamente menos desigual do que a própria desigualdade da sociedade brasileira levaria a crer.
Em outras ocasiões já explicitamos que, no Brasil, quando não se quer, de fato, reformar a escola, reforma-se o seu currículo, a formação dos professores e os métodos de ensino. Tais reformas dão o que falar, ocupam muito espaço e tempo na imprensa, mobilizam muita gente, mas nem de longe toca naquilo que, de fato, é o mais fundamental numa escola de qualidade para todos: as condições de trabalho, a carreira e o salário dos professores; ambiente bonito, arejado, bem cuidado, confortável e bem equipado para os alunos. Nessa mesma direção, qualquer reforma do ensino médio que esteja descolada de políticas para ampliação do tempo de escolarização dos adolescentes e jovens que o frequentam e, logo, de suas condições de emprego, trabalho e renda, ficará na periferia do problema.
Certamente não é possível, nem necessário, esperar uma mudança estrutural da sociedade para mudarmos a escola. A história das lutas sociais por escola no Brasil, em boa parte contra esses mesmos grupos que hoje defendem a urgência da reforma do ensino médio, comprova isso. O que não podemos é aceitar que reformas paliativas, que não focam o núcleo de nossas desigualdades escolares sejam apresentadas, mais uma vez, como panaceia para todos os males.
Ano 4 - Nº 132 / sexta-feira, 19 de agosto de 2016
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