A história da SASE
Articular sistemas é uma ideia que começou faz muito tempo... Desde a década de 30, com os Pioneiros da Educação Nova, há um clamor pela organização sistêmica das políticas educacionais. Todas as conferências de educação que ocorreram no Brasil, cujos debates mais recentemente passaram a integrar os grandes eixos das CONAEs, apontaram para esta direção. Apesar de todos os avanços conquistados, a ausência de um Sistema Nacional de Educação até os dias atuais tem resultado em graves fragilidades para a educação nacional, como a ausência de referenciais de qualidade capazes de orientar a ação supletiva para a busca da equidade, a descontinuidade de ações, a fragmentação de programas e a falta de articulação entre as esferas de governo. Esses fatores não contribuem para a superação das históricas desigualdades econômicas e sociais do país. A SASE foi criada no ano de 2011 de forma harmônica ao deliberado pela CONAE 2010, que reafirmou, mais uma vez na história, a necessidade de que as políticas educacionais fossem concebidas e implementadas de forma articulada entre os sistemas de ensino. Assim, nossa Secretaria, no Ministério da Educação, recebeu a tarefa de estimular e ampliar a cooperação federativa e a colaboração entre e com os sistemas de ensino, para a instituição de um Sistema Nacional de Educação (SNE). Com o Secretário Carlos Abicalil definimos um plano estratégico de trabalho ao qual permanecemos fieis até no dia 12 de maio de 2016, tentando trabalhar da forma mais coerente e firme possível, falando em nome do Ministério da Educação. Seria muito mais fácil falar em nosso próprio nome e pressionarmos o MEC, por fora, para fazer nossas ideias ganharem força. Mas esta nunca foi nossa estratégia. Fizemos ao longo do tempo grande esforço de aproximação entre o que pensamos, o que pensam as diferentes forças políticas externas ao governo federal e as diferentes concepções que existem dentro do próprio Ministério da Educação. Embora a instituição do Sistema Nacional seja um antigo clamor e tenha sido uma das mais importantes deliberações das duas CONAEs (2010 e 2014), nem mesmo a real necessidade de instituí-lo era uma ideia de consenso quando a Emenda Constitucional 59 foi aprovada em 2009. Muitos, dentro e fora do MEC, julgavam que já tínhamos um sistema de educação no Brasil, representado pela LDB, pelo FUNDEB. Outros, somados aos participantes das Conferências, achavam que embora houvesse um modelo de organização da educação nacional definido na LDB e um potente modelo de financiamento implantado via FUNDEB, a organização ainda não era suficientemente sistêmica para a garantia do direito constitucional, de acesso à educação de qualidade, ao longo de toda a vida. Havia - e ainda há - muito acordo a ser construído dentro e fora do governo com relação aos temas estruturantes do sistema: a base nacional comum curricular, a política nacional de formação e valorização profissional, o papel central da União na indução da qualidade da Educação Básica, a autonomia dos estados e municípios na gestão dos seus sistemas, o desenho de financiamento capaz de assegurar padrão nacional de qualidade, a avaliação das condições de oferta e do aprendizado, além do necessário planejamento decenal articulado entre as diferentes esferas de governo. No fundo, o que está sempre em jogo é a concepção de qualidade, o receio da perda de autonomia e do poder discricionário, e a cultura patrimonialista tão arraigada entre nós, brasileiros. Então, buscar consensos em torno de temas tão importantes, para que o Brasil tenha uma organização da educação nacional que realmente atenda as atuais necessidades do país - especialmente a redução das desigualdades -, exige grande esforço. A disputa política considera diferentes rotas possíveis para chegar lá, especialmente no nosso contexto federativo, marcado por forte pressão para marcar autonomias e não para criar identidade nacional.Havia grande expectativa de termos uma minuta de projeto de lei que instituísse Assim, um delicado trabalho de construção sucessiva de consensos começou. A este caminho demos, na SASE, o nome de Agenda Instituinte do SNE. Para deixar muito claro o que pensamos, é importante reafirmar mais uma vez nossas teses: a ausência de um Sistema Nacional de Educação (SNE) até os dias atuais tem resultado em graves fragilidades para a política pública educacional. Sem o Sistema, as ações não produzem resultados capazes de assegurar o direito constitucional com qualidade e as lacunas se concretizam na iniquidade. Isso contradiz o princípio constitucional e afronta a cidadania e os direitos humanos. Com estes princípios em mente é que coordenamos todos os trabalhos da SASE em torno do desafio da construção de acordos. Foram várias as estratégias que utilizamos, e nada fizemos sozinhos. Listar todas elas seria muito difícil, e impossível seria listar a todos que nos ajudaram no caminho. Contando um pouco a história da SASE, talvez seja possível reconstruir este caminho, e não é fácil fazê-lo sem misturar razão e emoção. Um pouco do caminho percorrido: a fase Carlos Abicalil e a "invenção" da SASE Talvez a grande marca daquele período (março de 2011 a fevereiro de 2012) seja realmente a elaboração de um consistente planejamento estratégico. O trabalho foi coletivo: mediado por profissionais de grande competência e com diretores, coordenadores e equipe técnica participando nos quase seis meses de concepção. Naquele período os ganhos foram evidentes para o Ministério, porque a SASE, recém criada por Decreto, organizou seu trabalho e deu sentido e valor a uma equipe composta por muitas pessoas que vinham de outros setores do Ministério, com diferentes histórias e diferentes acúmulos. Mas o que unia a todos? A certeza de que todo o trabalho deveria ser feito com foco no cidadão, na garantia do direito. Isto uniu e nos une a todos, desde sempre. Assim construímos nosso "planilhão", nome carinhoso que demos em meados de 2011 ao produto final do planejamento, definido com cinco desafios principais: Se não tínhamos ainda um SNE, tínhamos um PL de PNE e o firme propósito de atuar para que as metas fossem construídas nos planos subnacionais da forma mais articulada possível, como estratégia pavimentadora do caminho da construção do sistema. E assim começamos a definir o plano de trabalho para construir uma rede de assistência técnica para a elaboração ou adequação dos planos municipais, distrital e estaduais de educação. Assim também começamos a dialogar com órgão dos governos nas diferentes esferas e com entidades do campo educacional para, ouvindo e dialogando, construirmos princípios comuns que orientassem a nossa atuação. O trabalho comum com a ANPAE foi um grande diferencial naquele momento. Um acordo de cooperação técnica coma Universidade Federal de Pernambuco-UFPE, que proporcionou o diálogo institucional com pesquisadores de todo Brasil nos ajudou a elaborar documentos de referência sobre qualidade e gestão, que foram importantes para nós até hoje. Seria muito mais difícil traçar os caminhos se não tivéssemos contado com o trabalho das Professoras Márcia Ângela Aguiar e Janete Lins Azevedo (UFPE) e dos professores Luiz Fernandes Dourado e João de Oliveira (UFG) na coordenação desta articulação. Também merece destaque o grande apoio que recebemos do Conselho Nacional de Educação-CNE, do Fórum Nacional de Conselhos Estaduais de Educação-FNCE e da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação-UNCME. A UNCME, por exemplo, desde o primeiro momento, assumiu o tema da organização sistêmica da educação nacional como tema basilar de praticamente todos os seus fóruns de discussão. Nas primeiras fotos oficiais da Secretaria, lá estava a UNCME tentando construir conosco um caminho comum. De forma similar, começamos o diálogo com o Conselho de Secretários de Educação-CONSED, União dos Dirigentes Municipais de Educação-UNDIME e Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação-CNTE. Neste caso o tema não era o Sistema de forma direta, mas, principalmente, a necessária pactuação para a construção da mesa de negociação sobre o piso salarial e a valorização profissional. Chegamos ao final de 2011 ainda com muitas dúvidas sobre como estas iniciativas todas se desdobrariam no futuro, mas com muita certeza dos princípios que nos orientariam dali para frente. Mais um pouco do caminho: a fase Binho Marques e a consolidação das ideias Perdemos a liderança que nos orientava até ali, o novo secretário – Binho Marques, nos permitiu ganhar, como governo, algo muito valioso: a continuidade das ações. Todas as decisões políticas que haviam sido tomadas e todas as ações que haviam sido iniciadas simplesmente continuaram. É claro que cada dirigente tem seu jeito de trabalhar e impõe sua marca, mas neste caso, o que tínhamos de mais precisos - o "planilhão" – continuou como referência para a equipe. O planejamento foi revisitado e, com os mesmos princípios, foram aportados os acúmulos da equipe que já estava mais madura depois de um ano de estudos e atuação prática. Não foi difícil reorganizar o "planilhão", agora focando mais nas ações consideradas imprescindíveis. Assim, três eixos de trabalho passaram a nos orientar de 2012 até hoje: A base desta revisita ao planejamento, mais uma vez, foram os documentos de referência construídos de forma conjunta com a ANPAE, acrescidos de um consistente debate de aproximação de ideias, que resultou na produção de Coletâneas e Cadernos Temáticos cujo conteúdo explicita os principais impasses relacionados aos temas estruturantes do Sistema a ser instituído. O trabalho continuou, portanto, sem descontinuidade e isto nos deu tranquilidade para enfrentar os desafios do caminho. Vivenciamos a longa tramitação do PNE e finalmente a sua aprovação e sansão, sem vetos, em 2014. Estudamos detalhadamente não só as emendas propostas, mas também os diferentes posicionamentos oficiais sobre o Plano, com o objetivo de auxiliar o trabalho da Assessoria Parlamentar do Ministério. Continuamos ouvindo governo e entidades do campo educacional, dialogando e ajustando nossas ações, ouvindo também o Congresso Nacional. Tentamos aqui sistematizar um pouco desta trajetória toda, agora que novos e grande desafios nacionais se impõem. A AGENDA INSTITUINTE DO SNE Prioridade de 2012 O trabalho prioritário em 2012 foi a instituição da rede de assistência técnica para a elaboração ou adequação dos planos de educação, hoje já transformada em rede de assistência técnica para monitoramento e avaliação dos planos decenais de educação. A rede foi montada com o envolvimento pessoal de toda a equipe da SASE, inclusive com visitas do Secretário Binho Marques aos Secretários Estaduais e presidentes das seccionais estaduais da UNDIME em cada estado. A razão deste envolvimento total de toda a equipe da Secretaria é que inaugurávamos uma real estratégia tripartite de trabalho; não desejávamos oferecer assistência técnica e esperar a adesão das secretarias de educação. Precisávamos de muito mais. Para sermos coerentes com o conceito de interdependência, que julgamos estruturante do SNE, era necessário construir o trabalho verdadeiramente articulado, o que significa ouvir o outro, disputar ideias e construir acordos. Fizemos isto por todo o Brasil. Mas tivemos que fazer o mesmo trabalho também no interior do Ministério... Elaboramos documentos orientativos, mais uma vez com a ajuda da ANPAE, mas com a leitura crítica da UNDIME, do CONSED, dos Conselhos (UNCME, FNCE, CNE) e, ainda que tardiamente, do Fórum Nacional de Educação, em função de sua própria resistência. Construímos indicadores para cada meta do PNE, por meio de um intenso trabalho envolvendo acordos dificílimos entre a Secretaria Executiva do MEC, o INEP e a SASE. Concebemos o Portal "Planejando a Próxima Década", que além de disponibilizar, de forma sistematizada todo este conjunto de instrumentos e materiais, também permitiu o acompanhamento quase em tempo real do trabalho que estava sendo desenvolvido pelos estados, Distrito Federal e Municípios. O resultado foi chegarmos ao final de 2015 com planos de educação aprovados por quase todos os estados e municípios e pelo Distrito Federal; os que não tinham planos aprovados estavam com planos em tramitação nas casas legislativas, com poucas exceções. Não foi uma tarefa simples, porque, sem um sistema Nacional de Educação, com regras claras a respeito do planejamento comum articulado, elaborar um plano subnacional com princípios e referências nacionais exigiu grande esforço de convencimento e pactuação. É preciso lembrar que não só o trabalho da rede foi importante, mas que o sucesso dependeu fundamentalmente do apoio dos Conselhos e Fóruns de Educação em todo o país. Prioridade de 2013Começar a construção efetiva de uma proposta de sistema A construção de uma proposta dialogada exigia, do nosso ponto de vista, maior intensidade de debates conceituais. Havia enorme desacordo e descompasso em todas as esferas de governo e entre as organizações educacionais e acadêmicas. O primeiro grande movimento que fizemos foi a apresentação de nossas ideias iniciais no IV Seminário de Educação Brasileira – IV SEB, realizado pelo Centro de Estudos Educação & Sociedade-CEDES, na UNICAMP, de 20 a 22 de fevereiro de 2013. Na mesa redonda intitulada "Políticas de responsabilização e regime de colaboração no Sistema Nacional de Educação: a educação básica e as articulações federativas", brilhantemente coordenada pela Profa. Gilda Araújo (UFES), pela primeira vez o Secretário Binho Marques falou oficial e publicamente sobre o tema. As críticas foram muitas, porque com receio de que um debate fragmentado pudesse ameaçar a visão sistêmica necessária à organização geral da educação nacional, tentamos tratar de todos os temas de uma só vez. Pelo limite de tempo de exposição, não foi possível deixar claros alguns pontos cruciais para o debate, como por exemplo o conceito de subsidiariedade e a concepção dos chamados, à época, arranjos de desenvolvimento da educação. Todas as críticas foram absorvidas e, no mês seguinte, fomos novamente ao debate, organizando a Conferência "O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e o Sistema Nacional de Educação". Consideramos que esta seria a melhor forma de comemorar os 80 anos do lançamento do Manifesto, em função da atualidade dos princípios ali reunidos. Houve unanimidade de opiniões quando a Comissão Organizadora do 80º Aniversário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (Portaria GM MEC nº 724, de 30 de maio de 2012) propôs que a Conferência ocorresse na USP, instituição que Fernando de Azevedo, autor do Manifesto, ajudou a fundar juntamente com outros eminentes intelectuais da época. Pesquisadores e intelectuais de peso como Dermeval Saviani, Romualdo Portela, Carlos Roberto Jamil Cury, Fernando Luiz Abrucio, Carlos Augusto Abicalil, Cristovam Buarque, Paulo Sena, Jorge Abrahão de Castro, Beatriz Luce, Bernadete Gatti e muitos outros pesquisadores de renome, alunos e representantes de órgãos de governo e entidades educacionais participaram das mesas e da plateia. Depois, Célio da Cunha, Moacir Gadotti, Genuíno Bordignon e Flávia Nogueira organizaram o material disponibilizado e assim foi publicado o livro "O Sistema Nacional de Educação: diversos olhares 80 anos após o Manifesto". Este foi um importante esforço para colocar juntas, na mesma obra, as mais diferentes ideias sobre o sistema. Em outras palavras: já havia maior acordo sobre a necessidade de um sistema, mas como ele seria? Ainda não havia praticamente acordo algum, e mais do que isto: também não havia, ainda, uma proposta concreta, com exceção da federalização trazida pelo Senador Cristóvam. No capítulo "O Sistema Nacional de Educação: em busca de consensos", nós, da SASE, procuramos indicar que havíamos ouvido e incorporado as críticas recebidas no debate do IV SEB. Se a obre for revisitada, todos verão a assinatura de quatro autores (Binho Marques, Flávia Nogueira, Antônio Lambertucci e Geraldo Grossi Junior), mas não verão referências à SASE. Não havia ainda acordo interno no MEC que sustentasse uma assinatura institucional. O passo seguinte precisava ser, portanto, uma tentativa de avanço nos acordos conceituais possíveis, dentro e fora do MEC. Assim, elaboramos um novo texto: "O sistema Nacional de Educação". Fizemos isto com a ajuda inestimável de quatro pessoas – um grupo que carinhosamente chamamos de "G4": Carlos Augusto Abicalil, Carlos Roberto Jamil Cury, Luiz Fernandes Dourado e Romualdo Portela. Beatriz Luce, então Secretária de Educação Básica, fez uma leitura final e com muita habilidade fez pequenos ajustes que melhoraram muito o texto, especialmente no que se refere ao papel supletivo dos estados. O texto elaborado foi aprovado pelo Ministro José Henrique Paim em junho de 2014 e nós, da SASE, fomos muito criticados Brasil afora. A expectativa era de uma minuta de projeto de lei e o MEC, no lugar disto, disponibilizava um texto conceitual considerado genérico demais pelos críticos. É fato: nós também gostaríamos de ter feito um texto mais detalhado – não em formato de projeto de lei, mas com dispositivos mais claros com relação à estrutura e funcionamento dos sistemas. Inclusive havíamos avançado mais no capítulo publicado com nossa autoria pessoal, sem aval institucional. Entretanto, naquele momento, este era o acordo mínimo possível dentro e fora do MEC. A estratégia era simples: aquele nível conceitual possível deveria ser a base de debates que poderiam, com o tempo, ir avançando com relação a um desenho mais claro do sistema. Abordávamos nos encontros, nas audiências públicas, nas entrevistas, onde quer que fosse, a necessidade de definirmos o que deveria ser nacional e o que deveria ser federativo, os mecanismos supletivos para a garantia do padrão de qualidade, a forma de atuação e composição de conselhos, a existência obrigatória de fóruns, a necessidade da instância tripartite, entre outros temas que ainda eram (e ainda são!) bastante sensíveis. E levamos o debate avante, de junho de 2014 a junho de 2015, quando, mais uma vez contando com a ajuda do "G4", elaboramos no MEC um segundo documento, intitulado "Instituir um Sistema Nacional de Educação: agenda obrigatória para o país". Este segundo documento, que chamamos de "um degrau abaixo", procurava detalhar um pouco mais os aspectos para os quais fomos construindo acordos. Em 2014, o Deputado Ságuas Moraes (PT/MT) apresentou uma proposta de projeto de lei complementar para regulamentação do parágrafo único do artigo 23 da Constituição. Pela primeira vez se viu, de forma concreta, uma proposta de projeto de sistema, concretizando muitos conceitos e avanços importantes. Dada a similaridade de conceitos, ambos os textos foram sendo discutidos nos mesmos debates, resultando em melhor definição das similaridades e das divergências entre ambos. É muito importante destacar o papel decisivo do Ministro Janine neste processo, porque de forma paralela, em 2015, foi lançado o documento "Pátria Educadora", pelo Ministro Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos-SAE/PR. O Ministro Janine enfrentou o debate de ideias, com atitudes republicanas e democráticas, com todo o cuidado necessário para não prejudicar relações de governo. Merece referência um artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, de autoria de Renato Janine, Luiz Claudio Costa e Binho Marques. Ali autores afirmaram que "O federalismo educacional brasileiro é rico e original. O Sistema Nacional de Educação deve simplificar e articular o funcionamento das esferas de governo, com regras claras, ágeis e flexíveis ao longo do tempo, condição para a qualidade. Em um país federativo como o nosso, política nacional se constrói com acordo, pactos e compromissos comuns. Esse é o caminho escolhido pelo Ministério da Educação." Os textos conceituais foram amplamente discutidos, dentro do MEC, (e) em diferentes encontros e com diversos setores da sociedade. Os debates produziram acúmulos conceituais que orientaram o desenho geral do sistema. O SNE deve ser um sistema de sistemas, com respeito às autonomias e diversidades, baseado no conceito da interdependência, regrado por normas de cooperação federativa que orientarão a organização dos sistemas de ensino em regime de colaboração. A finalidade do sistema deve ser a garantia da educação como direito social, cumprindo o disposto no Plano Nacional de Educação – PNE e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A lei de responsabilidade educacional Neste mesmo espírito sustentamos, sem tréguas, o debate sobre a Lei de Responsabilidade Educacional. Discutimos de forma exaustiva, em inúmeros fóruns,reuniões, encontros, audiências públicas, entrevistas na mídia e outros espaços, as propostas em tramitação no Congresso Nacional. Sempre fomos contrários à punição pelo não atingimento de metas de desempenho dos estudantes, posicionamento marcado pelo MEC desde 2010, com o PL 8039/2010, do Executivo. Temos insistido na ideia de que responsabilizar, no contexto da agenda instituinte do SNE, deve ser, além da definição de responsabilidades, a previsão das condições para o seu exercício e para o seu acompanhamento e controle. Em outras palavras significa definir "quem faz o que", mas principalmente com quem e em que condições faz, com quais mediações de complementariedades, com quais regramentos e com quais definições de responsáveis pelas deliberações (Abicalil, C.A. O federalismo e o sistema nacional de educação: uma oportunidade fecunda. Retratos da Escola, CNTE, v. 6, n. 10, p. 21-36, jan/jul. 2012). Isto depende fundamentalmente da aprovação de normas de cooperação federativa, por meio da regulamentação do parágrafo único do artigo 23 da Constituição Federal. Depende também de um acordo nacional a respeito do que se entende por qualidade e de um consistente sistema de avaliação cuja concepção seja a orientação da ação supletiva, técnica e financeira, para a garantia do direito constitucional, como discorremos antes neste relato. Não é aceitável uma lei ordinária que defina o que é qualidade, obrigue sua oferta e não estabeleça, por força de lei complementar, os compromissos de cada ente federativo na sua garantia, considerando as competências comuns dispostas na Constituição. As instâncias de pactuação federativa Por estas e outras razões é tão importante contar, na estrutura do SNE, com instâncias de pactuação federativa. Assim, mesmo sem o sistema instituído, foi publicada pelo Ministro Janine portaria que institui a Instância Permanente de Negociação Federativa no Ministério da Educação, prevista no § 5o, art. 7o da Lei do PNE (Portaria nº 619, de 24 de junho de 2015). A instância tem por objetivo fortalecer os mecanismos de articulação entre os sistemas de ensino para o desenvolvimento de ações conjuntas visando o alcance das metas do PNE e a instituição do SNE. Esta iniciativa importante, porém, é mais simbólica do que prática, pela fragilidade que representa este instrumento jurídico – Portaria – e infelizmente seria o mesmo se fosse um decreto presidencial ou até mesmo uma lei ordinária. Só haverá sentido real para o funcionamento desta instância se ela estiver prevista e definida em lei complementar, para que suas deliberações sejam vinculantes e atinjam o conjunto de sistemas de ensino. E é preciso lembrar, como dissemos antes, que esta foi uma das maiores divergências que tivemos com o Fórum Nacional de Educação por ocasião da discussão da proposta de sistema. Na proposta do MEC a instância é administrativa e financeira, composta por MEC, representantes dos Secretários Estaduais e Municipais de Educação. Na proposta do Fórum há, na nossa opinião, uma confusão de papeis, quando a esta instância são agregadas representações do próprio Fórum, dos Conselhos, entre outras. Entendemos que esta instância, no âmbito do SNE, tem papeis diferentes do FNE. Tem papel diferente também de uma outra instância federativa que a nosso ver, deve ser criada e fortalecida: uma instância tripartite normativa. Por pensarmos assim é que sempre demos relevância ao debate sobre o papel dos conselhos de educação no sistema a ser instituído. Como resultado de acordos construídos ao longo do tempo, concluímos que uma proposta de sistema deve trazer de forma clara a obrigatória estruturação dos conselhos de educação com papel normativo, deliberativo e de assessoramento, com garantia de condições de trabalho e composição representativa em cada esfera federativa, com efetiva participação da sociedade civil. Deve existir um espaço de pactuação institucionalizado para que CNE, conselhos estaduais e conselhos municipais de educação discutam temas que impactam o cotidiano da escola e dos órgãos que se articulam na política educacional. Por fim, mas com muito destaque, construímos os acordos possíveis com o Fórum Nacional de Educação. Absorvendo grande parte dos acúmulos resultantes do longo processo de debates, que se iniciou na preparação da CONAE 2010 e se fortaleceu ao longo da agenda instituinte coordenada pelo MEC, o Fórum aprovou uma proposta a partir do texto apresentado pelo Deputado Ságuas Moraes (PT/MT - PLP 413/2014). O Ministério da Educação reconheceu o papel da SASE, discutiu internamente a proposta do Fórum e tentou construir o máximo de aproximações. Duas principais divergências permaneceram: a composição da instância de negociação administrativa e financeira (equivalente à chamada instância de pactuação federativa no PNE) e as disposições sobre o CAQi/CAQ. Na proposta final (anexa), embora com discordância, incorporamos a composição diferenciada da instância proposta pelo Fórum, envolvendo entidades de natureza diferente da administrativa/executiva. Com relação ao CAQ, não foi possível aceitar a concepção de qualidade vinculada apenas a uma lista de insumos. Por isto mantivemos a ideia do CAQi/CAQ se vincular a um consistente sistema de avaliação, que inclua análise das condições reais de oferta e da totalidade dos recursos disponíveis em cada rede ou sistemas de ensino, para que assim se oriente melhor, principalmente, a ação supletiva da União. Nossa ideia era que, na reunião ampliada do Fórum ocorrida em maio, este texto – que poderia ser considerado um texto substitutivo ao PLP 413/2014, fosse entregue ao Deputado Ságuas (autor da proposta original) e ao Deputado Glauber Braga (relator). Por decisão do Ministro Mercadante, porém, o texto passou por uma delicada análise jurídica e foi enviada à Casa Civil para encaminhamento como novo projeto ao Congresso Nacional. De qualquer maneira, o MEC produziu uma proposta de texto para a regulamentação do parágrafo único do artigo 23 da Constituição, instituindo o SNE. É uma proposta negociada, construída através do diálogo com a sociedade e com o Congresso Nacional ao longo de todos estes anos, desde o início da SASE, e discutida especialmente com o Fórum Nacional de Educação. Nossa expectativa é que o texto possa adensar o debate no Congresso, onde atualmente tramitam o PLP 413/2014, o PLP 15/2011, a PEC 32/2013, o PL 7.420/2006 (e apensados) e tantos outros projetos que impactam a organização da educação nacional. Mas não teria possível chegar a qualquer proposta sem dois marcos importantíssimos na história da nossa Secretaria e da nossa história pessoal: o GT-ADE e o GT-CAQ. Segue um pouco a história de cada um.
Prioridade de 2014 O chamado GT-ADE, criado pela Portaria nº 1.238, de 11 de outubro de 2012, teve a responsabilidade de discutir conceitos, elencar experiências relevantes de organização territorial e formas de colaboração implantadas ou em implantação no Brasil, caracterizando-as e identificando êxitos e dificuldades. Foram dois anos de intenso trabalho e o relatório final, aprovado em 2015 traz uma lista nominal das pessoas que, em algum momento, ou de alguma forma, participaram dos trabalhos. Certamente a lista deixou alguém de fora, porque foram inúmeras reuniões, encontros temáticos, seminários, acordos construídos, conceitos discutidos, conhecimentos acumulados. Impossível avaliar como seria a SASE sem este GT. O grupo, desde o início, encorpou de forma livre toda e qualquer pessoa que manifestasse interesse no tema. Ao longo do tempo, fomos mudando o conceito de "arranjo de desenvolvimento da educação" para ações territoriais de cooperação federativa e colaboração entre os sistemas de ensino. A concepção de território, neste contexto, se associa aos desafios para a qualidade da educação e leva à reflexão sobre a garantia do direito juridicamente protegido. O território, assim, é o lugar (na perspectiva de Milton Santos) onde as regras comuns do SNE se farão concretas, reconhecendo novas marcas que orientam formas de organização além dos limites de territórios legalmente constituídos. Para a discussão e instituição do SNE o conceito de território abarca as ações articuladas da União, do Estado e dos Municípios, no exercício de suas competências comuns, no lugar onde vive o cidadão a quem o direito deve ser garantido. Planejamento articulado e execução de estratégias comuns envolvendo um grupo de municípios, o Estado e a União, podem fortalecer os planos municipais e o plano estadual de educação, integrando programas, potencializando e ampliando recursos, diminuindo a descontinuidade de ações e fortalecendo os órgãos gestores, que juntos podem definir referenciais de qualidade a serem atingidos localmente na busca de equidade, assegurando cidadania e direitos humanos. Este foi o avanço conceitual trazido pelo GT-ADE. Os resultados do trabalho foram incorporados ao novo Plano de Ações Articuladas-PAR (ciclo 2015-2018) e à minuta de projeto de lei complementar que institui o SNE, no capítulo que trata da ação e dos instrumentos integrados de planejamento educacional, especificamente na seção intitulada "Das iniciativas regionais ou territoriais". Embora muitos trechos da minuta tenham sido intensamente debatidos, esta seção não recebeu qualquer crítica, pelo menos até agora. Entendemos que isto aconteceu porque o tema havia sido exaustivamente discutido e foi para a minuta em termos já pacificados. Um importante destaque deve ser dado também à derivação dos debates deste GT na produção acadêmica. O número 125 (vol.34, out./dez.2013) da Revista Educação & Sociedade (CEDES) dedicou especial ênfase a essa temática, trazendo, em seu Editorial, a "necessidade de aprofundamento do debate fundamentado na produção especializada de pesquisas a respeito das formas de colaboração ou cooperação e, por vezes, de competição entre entes federados no campo educacional e destes com outros sujeitos e segmentos da sociedade", no espaço dos consórcios públicos e outras formas de associativismo territorial. A partir daí, vários outros números da Revista passaram a trazer a territorialidade como tema central em diferentes artigos, sempre na perspectiva da sua articulação com o SNE. Tal esforço se materializou na realização do V Seminário de Educação Brasileira (V SEB), quando um dos Eixos Temáticos foi "Espaços urbanos e Territórios: desafios para a qualidade da educação", do qual a SASE participou como convidada e foi representada pela Diretora Flávia Nogueira. Prioridade de 2015 Com trajetória completamente diferente, mas praticamente tão importante quanto o do GT-ADE foi o GT-CAQ. Desde que a SASE existe, sempre houve um posicionamento interno, nosso, de que o MEC deveria se posicionar quanto ao Parecer CNE/CEB 08/2010. De forma insistente, a partir de 2012, fizemos gestões junto ao Gabinete do Ministro para que, não havendo acordo interno para homologação, o processo deveria ser devolvido ao CNE, com um pedido de reexame. Esta insistência derivava da certeza que sempre tivemos de que uma proposta de CAQi e CAQ, fosse qual fosse, deveria impactar na reestruturação da ação supletiva da União para a educação básica e sabíamos que este era, e é, o ponto mais sensível de todas as negociações necessárias para a definição do desenho de Sistema Nacional de Educação. Em junho de 2013, pela primeira vez, o MEC se posicionou de forma oficial e aberta sobre o assunto. No Fórum do FUNDEB os Secretários Romeu Caputo (SEB) e Binho Marques (SASE) explicaram publicamente as razões da discordância do MEC com a proposta do CNE, mesmo demonstrando que as divergências internas ainda não haviam sido sanadas. Quando, em julho de 2013, houve concordância do Ministro Mercadante no sentido da devolução do processo ao CNE, nos debruçamos detalhadamente seu conteúdo e apontamos para o fato de que também não bastava apenas devolvê-lo ao CNE; era necessário que o INEP realizasse uma série de estudos sobre custos e sua relação com as diferentes realidades de oferta demonstradas, ainda que de forma não sistematizada, pelo enorme conjunto de informações trazidas pelo Censo Escolar. Nossas sugestões encontram- se como anexo do relatório final (ANEXO III). O processo foi devolvido, mas os estudos não foram realizados, por diversas razões. O fato é que este assunto permaneceu ainda por um bom período sem definição. Por decisão do Ministro Janine, em maio de 2015 foi criado o GT-CAQ (Portaria nº 459, de 12 de maio de 2015), com a finalidade de buscar consenso interno em torno do tema do custo-aluno-qualidade, tema estruturante na definição do SNE. A ideia era que SEB, INEP, FNDE e SASE, órgãos que se posicionaram de forma desarticulada e sem consenso no processo do CNE, pudessem discutir exaustivamente o tema, buscando acordo mínimo necessário que pudesse subsidiar o Ministro no necessário debate com o Conselho Nacional e conselhos estaduais e municipais de educação, com dirigentes estaduais e municipais, com o Fórum Nacional de Educação, com as Comissões de Educação da Câmara e do Senado e com a sociedade em geral. O GT trabalhou de forma intensa, realizou estudos e ouviu mais de quarenta pessoas. No prazo definido pela Portaria (setembro de 2015), encaminhou ao Ministro Janine um ensaio de mecanismo possível de implementação gradual do Custo Aluno Qualidade inicial (CAQi). Ocorre que aquele foi o período crítico de troca de Ministros. O relatório foi efetivamente apresentado então ao Ministro Mercadante, que à época voltava ao Ministério da Educação. O grupo incorporou ao texto as orientações do Ministro Mercadante, entregando a ele o Relatório Final em outubro de 2015. Apesar de concordar com o mecanismo geral apontado pelo grupo para a instituição do CAQi (elevação gradual do percentual de complementação do FUNDEB e reorganização dos programas de ação supletiva), o Ministro considerou a inviabilidade da implantação sem que antes se definisse uma nova fonte de recursos. Por esta razão o Relatório Final permaneceu na condição de circulação interna, sem aprovação final para publicação. Com a criação de um novo GT, agora incorporando membros externos ao MEC e com a previsão de que o Relatório produzido seja o ponto de partida da nova etapa de trabalhos, o texto está publicamente disponível no Portal PNE em Movimento. Suas principais decisões estão incorporadas à minuta de projeto de lei complementar preparada para o debate parlamentar sobre a instituição do SNE, especificamente no capítulo que trata do sistema nacional de avaliação e no capítulo que trata do financiamento da educação básica. Esta é a diferença básica entre a proposta do MEC e a proposta do FNE. Uma concepção de qualidade e sua vinculação ao sistema nacional de avaliação A posição da SASE sempre foi coerente com uma concepção de qualidade mais ampliada do que uma lista de insumos ou medida por desempenho de estudantes em provas censitárias. Julgamos que a qualidade é um conceito com perspectivas complementares e relevantes, que englobam três diferentes dimensões. A primeira refere-se às condições necessárias para a oferta com qualidade, isto é: trata-se de determinar o que é condição preliminar para que a Educação Básica oferecida possa almejar à qualidade – e isto tem relação com insumos. A segunda perspectiva refere- se à efetiva qualidade da oferta, porque o que está em tela é o princípio de que todas as crianças, jovens ou adultos que não tiveram oportunidade de estudar na idade apropriada, devem ter oportunidades iguais para aprender, considerando as condições e características de cada um. Portanto, aqui é fundamental considerar a gestão das redes e das unidades escolares, tomada em sentido amplo, isto é, o da capacidade de transformar o conjunto de insumos em oportunidades educacionais – e isto tem relação com a gestão pedagógica, normativa, administrativa, financeira, e com as relações democráticas na escola e fora dela. O princípio da equidade exige que a função redistributiva e supletiva da União e dos estados (não somente financeira, mas também técnica) se faça presente para assegurar oportunidades semelhantes nas creches e escolas públicas de todo o país, com ações que possibilitem a presença daquilo que se considere como o necessário a um padrão nacional de qualidade na oferta dos serviços da Educação Básica, considerando diferentes contextos regionais, sociais e econômicos. Os insumos disponibilizados por meio de financiamento público às redes e unidades escolares devem se traduzir em oportunidades reais de aprendizado, e devem se vincular ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. Este sistema, ao ser viabilizado, deve cumprir o comando do Plano Nacional de Educação, produzindo indicadores que proporcionem informação relevante e em bases adequadas à apreciação da qualidade dos insumos e da gestão, sempre em colaboração com os entes federados. Para nós, este deve ser o espírito do SINAEB, clamado pelo Artigo 11 da Lei do PNE. O SINAEB não deve, e não pode, estar focado em avaliação de desempenho. É fundamental compreender o sistema de avaliação como orientador das ações e não como instrumento punitivo para dirigentes, professores e até mesmo estudantes, porque a terceira perspectiva da qualidade é a que se refere à realização dos objetivos educacionais. O que faz da educação escolar uma experiência tão especial é justamente a impossibilidade de a reduzirmos a um conjunto de relações de causa e efeito. A avaliação precisa ser um dos mais importantes instrumentos utilizados para ampliar cada vez mais a garantia do direito constitucional. Por tudo isto, no SNE, não há como desvincular o financiamento do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica. A avaliação deve ser o instrumento que orienta a ação supletiva. Se definirmos quais são os indicadores nacionais de qualidade e com eles fizermos uma leitura da realidade da oferta educacional no Brasil, seremos capazes de definir qual padrão real, visto nas escolas brasileiras, abaixo do qual é inaceitável para a garantia do direito. A avaliação só tem sentido se for capaz de reunir informações sobre as condições de oferta, para que possa dirigir a ação supletiva e definir, finalmente, o CAQi e o CAQ. Como se pode perceber, há toda uma série de estudos a serem feitos e muitos acordos a serem ainda construídos até que se possa garantir a operacionalização deste dispositivo tão essencial à garantia dos direitos que é o custo aluno qualidade, ideia que começou a ser desenhada em 1994 no Acordo Nacional coordenado pelo então Ministro Murilo Hingel (BRASIL, 1994. Conferência Nacional de Educação para Todos. Brasília, MEC/SEF, 1254p). Prioridade de 2015 e 2016 A experiência com a rede de assistência técnica para os planos de educação, que já estava implantada, foi estratégica para a concepção desta nova rede. A diferença é que os acordos anteriores a serem construídos, neste caso, eram muito mais desafiadores. Fizemos um grande esforço para, de forma pactuada, construir um conjunto de instrumentos e materiais hoje agregados a um portal orientativo para estados, DF e municípios, vincularem suas políticas de valorização às metas do PNE. O trabalho comum MEC/CONSED/UNDIME tem como principal objetivo apoiar estados, Distrito Federal e municípios para que organizem a gestão de suas redes, com resultados positivos no cumprimento do piso e na valorização dos profissionais, por intermédio da construção de carreiras que sejam ao mesmo tempo atrativas e sustentáveis do ponto de vista orçamentário. As carreiras precisam ser vistas como instrumentos de valorização consistentes ao longo do tempo, para que permitam não só atratividade para ingresso, mas também ganhos salariais reais e contínuos. Esta política de valorização está presente no PNE. Mas não são assuntos simples de tratar. Todos concordam que um ponto importante para reduzir desigualdade educacional é ter no Brasil inteiro profissionais valorizados, realizados no seu fazer cotidiano e bem remunerados. Este é um aspecto fundamental. Mas como ter no Brasil igualdade de oportunidades com políticas de valorização que hoje são tão diferentes? Ou como fazer isto se há em tantas redes até mesmo ausência de qualquer tipo de política de valorização? Aí está a centralidade da ideia do Piso Salarial Profissional Nacional. Mesmo que ainda restrito aos profissionais do magistério, a Lei do Piso (Lei 11.738/2008) representa um enorme avanço de definição do que deve ser nacional, pois fixa anualmente o valor abaixo do qual nenhum professor com formação em nível médio, na modalidade Normal, pode ser remunerado na forma de vencimento para a jornada de, no máximo, 40 horas semanais, obedecendo-se a proporcionalidade em casos de jornada diferenciada. Mas é salutar nos lembrarmos de onde veio esta ideia, de quais foram as principais questões no início dessa conquista. É preciso lembrar do Acordo Nacional de 1994, quando se construiu não somente o conceito de piso, uma ideia de fundo nacional vinculado a parâmetros de qualidade, para garantir condições de trabalho e reduzir desigualdades. Essa ideia não começou lá, mas lá ganhou muita força; na verdade está há 80 anos sendo construída. A Lei do Fundef incorporou parte do Acordo. Ainda que restrito ao ensino fundamental, instituiu o Fundo e garantiu, de certa forma, a vinculação do financiamento com a qualidade das condições de oferta e da gestão (Artigo 13), bem como a qualidade dos planos de carreira (Artigo 10). Podemos concordar ou não com o conteúdo destes artigos, mas os dispositivos estavam na lei. Entretanto, um dos itens mais importantes do Acordo, incorporado na Lei, não foi cumprido: a complementação da União deveria ser feita para todos aqueles entes federativos que não conseguissem atingir o valor médio nacional por aluno, no lugar de um valor mínimo, como ficou definido. Em outras palavras, um valor anual foi fixado pelo MEC e mantido por alguns anos, o que contrariou até o dispositivo legal. Um aspecto positivo é que a Lei dizia claramente que o CNE iria definir as diretrizes para a construção do plano de carreira e a Resolução nº 3/1997 era muito precisa neste sentido. Mais uma vez: podemos ter discordância - e temos - sobre o que elas recomendavam ou não, mas haviam orientações mais precisas sobre como construir os planos de carreira. O quadro hoje é bem mais complexo: não temos um Sistema Nacional de Educação instituído com regras federativas claras, nem vinculação da Lei do FUNDEB ou da Lei do Piso às Diretrizes de Carreira aprovadas pelo CNE, o que resulta em grande variedade de situações, muitas vezes conflitantes entre si. Agravando o quadro, é preciso lembrar que as carreiras feitas na época do Fundef também apresentam problema: naquela época houve aumento significativo de recursos para a folha de pagamento do magistério do ensino fundamental e muitos municípios elaboraram planos de carreira que não estavam preparados para a rápida expansão de suas redes, adotando enorme dispersão entre o menor e o maior salário, além de vantagens e gratificações sem amparo técnico e financeiro. Este complexo contexto exigiu de nós um trabalho muito dedicado à desafiadora tarefa de construir acordos de trabalho com o CONSED e a UNDIME, procurando desenhar orientações possíveis para a assistência técnica. Nossa expectativa é que os documentos e instrumentos disponíveis, aliados à atuação da rede de assistência técnica, ajudem os entes federativos nas suas políticas de valorização. É fundamental que esta rede de assistência técnica se fortaleça, para impedir que cresça cada vez mais o número de consultores pouco qualificados, pagos com recursos públicos principalmente pelos municípios mais frágeis. Os produtos tem sido planos de carreira padrão, construídos sem uma real e profunda análise diagnóstica das condições da rede de ensino. Por esta razão, no Portal, além de disponibilizarmos um software (SisPCR) que desenvolvemos ao longo de três anos, fizemos a inclusão de recomendações do Ministério da Educação para a organização das redes, no documento "Profissionais contratados para o exercício da docência nas redes de ensino de educação básica pública e que não exercem funções em sala de aula: recomendações gerais aos gestores". Nossa expectativa é que, no futuro, textos assim possam ser produzidos e publicados pela instância de negociação federativa, com força vinculante para todos os entes federativos. Isto organiza as redes, garante direitos, aumenta a qualidade do trabalho dos órgãos de controle. Isto é qualidade de oferta e valorização do magistério. Outra questão importante é o critério de adequação anual do valor do Piso. O critério disposto na Lei é o percentual de variação do valor aluno ano – o chamado VAA do FUNDEB, que não reflete necessariamente a quantidade de dinheiro disponível. Por exemplo, se há diminuição no número de matrículas, aparentemente há mais recurso, mas isto pode não ter efetivamente acontecido. Há um Projeto de Lei, do Executivo, que propõe alteração do critério de adequação com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Havia uma proposta da UNDIME e CNTE, em 2012, que seria o INPC mais 50% da variação do FUNDEB. Não havia acordo desta proposta nem com a primeira (do Executivo federal), nem com uma terceira, do CONSED, organizações de prefeitos (CNM e FNP, principalmente) e Governadores, que defendiam o INPC mais 50% do ganho real do FUNDEB, com moratória de dois anos. 2013 foi um anos de muitas reuniões e muitas negociações. CONSED, CONSEPLAN e CONFAZ, CNM, ABM e FNP se envolveram diuturnamente no debate e trouxeram também a UNDIME para o apoio à proposta de INPC mais 50% do ganho real do FUNDEB. Mas, infelizmente a alteração do artigo 5o da lei do Piso não foi para a frente. Agora as diversas organizações estão ainda estão muito mais distantes de um acordo, mesmo que haja, mais do que nunca, grande urgência de definição. Sempre postulamos que o MEC não pode fugir deste debate. Na ordenação constitucional da competência comum, cabe à União a ação supletiva em direção a uma política de valorização contínua, como já É realmente necessário colocar em prática o que a CONAE 2010 apontou: constituir uma mesa de negociação e tentar chegar a um acordo. Neste espírito construímos internamente no MEC e com CNTE, UNDIME e CONSED os acordos necessários para que o Ministro Janine pudesse publicar a portaria que institui o Fórum Permanente para Acompanhamento da Atualização Progressiva do Valor do Piso Salarial Nacional para os Profissionais do Magistério Público da Educação Básica (Portaria nº 618, de 24 de junho de 2015)23. Este Fórum tem a atribuição de pactuar e monitorar as ações de valorização dos profissionais da educação, contemplando também a estratégia 17.1 na Lei nº 13.005/2014. Tudo isto nos remete à grande importância de trazer essa discussão para o debate do SNE. É muito difícil estabelecer parâmetros, monitorar e responsabilizar sem o SNE. E é por isto que insistimos no fato de que precisamos dar conta de um conceito mais amplo de qualidade, que não se encerra numa lista de insumos. É preciso garantir a qualidade da formação, do currículo, das condições de trabalho e uma série de outros fatores. E todo o recurso disponível, mais todo o recurso novo possível, deve compor uma valor anual por aluno que garanta padrões de qualidade cada vez mais elevados, com a correta complementação, técnica e financeira, da União e dos Estados (respeitadas as condições de cada um), em direção à garantia do direito constitucional, que é de cada brasileiro. Em 2015: novos desafios, novas oportunidades Estávamos mais maduros como equipe e mais certos dos caminhos quando em 2015 recebemos mais duas novas tarefas: a SASE deveria assumir a responsabilidade da Secretaria Executiva do Fórum Nacional de Educação, já referido antes neste texto, e a representação institucional do MEC no trabalho articulado com o Ministério Público. Encaramos estes desafios com muita satisfação, porque se "encaixavam" exatamente na missão que vínhamos desenvolvendo, de fortalecer os mecanismos de participação e acompanhamento social. As ações que estavam, a princípio, restritas às estratégias de trabalho no processo de assistência técnica para a elaboração e adequação dos planos de educação, naquele momento passaram a compor um grande eixo estruturante de trabalho. Ao dialogar mais proximamente com o FNE, avaliamos que era por intermédio dele que todo o acúmulo sobre o SNE deveria fluir. Ao dialogar mais proximamente com o Ministério Público, e posteriormente com os Tribunais de Contas, avaliamos como o nosso trabalho e o deles poderia se qualificar, aumentando conhecimentos de parte a parte e fortalecendo os mecanismos de controle. A relação com o Fórum Nacional de Educação O Fórum, para nós, poderia e deveria ser a instância mais qualificada para capilarizar o debate pelo país, dada a sua representatividade institucional. Está instituído no âmbito do MEC pela Lei do PNE e pela Portaria nº 1.407/2010, com atribuições na promoção da participação e da mobilização social em educação e, também, atribuições no monitoramento contínuo e nas avaliações periódicas do PNE. É composto por 50 entidades representativas da sociedade civil e do poder público. Representantes do Fórum tem participado em espaços estratégicos como seminários, audiências públicas, outros espaços de pactuação, como as mesas de debate que contribuíram para que o FNE qualificasse o debate sobre o SNE e os desafios do PNE. Também mantém grupos de trabalho temporários que vêm se dedicando a temas centrais para a educação brasileira tais como o SNE, a BNCC, o financiamento e a valorização dos profissionais da educação. De forma ágil apresentou o documento "O Sistema Nacional de Educação – Documento Propositivo para o debate ampliado", em função do dispositivo previsto no PNE que trata da instituição, em lei, do SNE. Outra importante estratégia é a publicação, em página eletrônica, de boletins periódicos que dão acesso a notícias, informações atualizadas sobre as atividades desenvolvidas, bem como sobre a composição, histórico, estrutura defuncionamento, agendas, atas das reuniões, notas públicas e demais documentos produzidos. Além do esforço governamental para a organização interna da secretaria executiva do Fórum, continuamente é prestado apoio técnico aos fóruns estaduais, distrital e municipais de educação. O apoio institucional do MEC precisa continuar. A colaboração intersetorial com órgãos de controle Para fortalecer a colaboração intersetorial a SASE/MEC coordenou e fortaleceu a relação estratégica de trabalho com os Ministérios Públicos (MPs) da União e dos Estados e, posteriormente, também com os Tribunais de Contas Estaduais. O cumprimento das metas dos planos de educação e os mecanismos necessários de responsabilização são centrais na agenda instituinte do SNE e, portanto, demandam o envolvimento contínuo e o trabalho articulado do MEC com estas instituições. A interlocução do MEC com os MPs, feita pela SASE, inclui a gestão dos compromissos firmados em um Acordo de Cooperação Técnica. O diálogo se fortalece pela participação dos diferentes setores do MEC em atividades destes órgãos de controle, em especial nos encontros promovidos pela Coordenação da Comissão Permanente da Educação dos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal, que integra o Grupo Nacional de Direitos Humanos, órgão do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União, signatários do acordo. No momento, está em fase de elaboração uma nova proposta de termo de cooperação, a vigorar a partir de 2016, que terá como eixo central o PNE. Desta experiência rica e exitosa se desdobrou uma outra similar. Com a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil e com o Instituto Rui Barbosa, realizamos um encontro com presidentes e representantes de 25 estados para debater o acompanhamento das metas dos planos decenais de educação, em consonância com o PNE. Deixamos assinado um Acordo de Cooperação, que trata da execução dos planos de educação, e da utilização de instrumentos de monitoramento que fortaleçam o controle social na utilização dos recursos públicos aplicados em educação. São trabalhos que nos trazem muita satisfação, porque sempre houve grande expectativa de nossa parte no sentido de ajudar o Ministério Público e os TCEs a realizarem com qualidade sua missão institucional. Fortalecer o controle, para nós e para eles, não significa aumentar punições. Significa garantir direitos. Mas nós, da SASE, temos a convicção de que isto só será realmente possível quando tivermos um SNE instituído. Infelizmente ainda há muitas lacunas porque nem todas as responsabilidades são claras, nem todas as regras estão bem definidas, nem todas as condições para executar as obrigações estão dadas e nem todas as recomendações são seguidas, porque nem sempre resultaram de acordo de melhoria de qualidade. ESTA É A LACUNA QUE RESULTA DA AUSÊNCIA DE UM SNE ATÉ OS DIAS ATUAIS. Enquanto não temos um sistema, vamos trabalhando na construção dos avanços possíveis. Por isto é tão estratégico o trabalho com os órgãos de controle: eles passam a entender melhor estes limites e nós passamos a trabalhar de forma mais ágil tentando cobrir estas inúmeras lacunas, seja pelo diálogo, seja pela definição de normas específicas. A maior força da SASE Nossa maior força sempre foi ter um projeto, e coerência para colocá-lo em movimento. Não tínhamos um SNE, mas tínhamos um PL de PNE. Fizemos acordos para uma ação tripartite de assistência técnica para que as metas subnacionais fossem construídas da forma mais harmônica possível ao PNE. Não tínhamos uma concepção clara para um desenho de sistema, mas no GT- ADE conseguimos construir o conceito a cooperação e colaboração territorial, como forma de articular o trabalho comum no lugar onde vive o cidadão a quem o direito deve ser garantido. E vimos que este era o espírito do SNE. Não tínhamos claro um desenho de financiamento para o SNE, mas tivemos a oportunidade de construir algo importante para organizar a ação supletiva coordenando o GT-CAQ. Não tínhamos como fazer cumprir as metas de valorização profissional do PNE, mas tivemos abertura para negociar orientações gerais que nos permitiram construir um consistente trabalho tripartite de assistência técnica para as carreiras. Não tínhamos como elaborar um projeto de lei sobre o Sistema, mas construímos acordos conceituais importantes que acabaram aparecendo no PLP 413/2014 e na proposta de PLP da FNE, acolhida pelo MEC. Fizemos mais do que relatamos aqui, mas chegamos no dia 13 de maio de 2016 com a certeza de todo dia: ainda há muito por fazer. De qualquer forma é bom sentir que o trabalho feito é consistente, mesmo que incompleto. E é bom também sentir que ele vem da nossa maior força, que é acreditar que é possível organizar melhor a educação nacional. Um SNE pode respeitar autonomias e pode ajudar a garantir o direito constitucional. Pode diminuir o poder discricionário na política de financiamento sem diminuir o poder político de coordenar uma ação pública que garanta direitos. Mas o melhor de tudo é saber que o projeto não é só nosso, mas de todo um coletivo que vem, ao longo de décadas, clamando por uma articulação mais orgânica dos entes federativos e dos seus sistemas de ensino, cumprindo os dispositivos constitucionais de 1988. Artigo 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Se o projeto não muda e não chegou ao fim, o trabalho também não acaba. A gente só muda de lugar. Um dia o Abicalil falou em “saudade do futuro”; vai ver que era disto que ele estava falando. Um grande e afetuoso abraço a todos os que nos acompanharam este caminho.
Flávia Nogueira (com certeza em nome da equipe da SASE) Brasília, 13 de mai 2016 |