A fila anda
A fila também anda nas escolas particulares

O Brasil possui altas taxas de rotatividade no mercado de trabalho. Em 2010, a média nacional atingiu o patamar de 53,8%, significativamente maior do que a média de 45,1% medida em 2001, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a partir dos resultados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Esses números indicam a rotatividade anual dos postos de trabalho, ou seja, mensuram as demissões seguidas de admissões em relação ao estoque médio de empregados de cada setor. Mesmo depois de descontados os desligamentos decorrentes de transferência, demissão a pedido do trabalhador, aposentadoria e falecimento, o índice brasileiro ainda permanece elevado: 37,28% de rotatividade nos vínculos formais em 2010.
A rotatividade dos estabelecimentos de ensino também entra nas análises anuais do MTE, já que a atividade integra o setor de serviços. Enquanto a rotatividade no ensino foi de 24,8% em 2001, essa taxa passou para 30,7% e 29,7% em 2008 e 2009, respectivamente. Excluídos os mesmos motivos de desligamentos já citados, a média passou de 17 para 19%. Apesar de ainda estar abaixo do índice nacional, essa taxa representa custos para as escolas particulares, considerando os gastos com as demissões, os processos de seleção, admissão e treinamentos, e por isso não pode ser ignorada.
Entretanto, é difícil avaliar o impacto da rotatividade no ensino privado, pois faltam estudos nacionais e regionais sobre o tema. Se o segmento de ensino particular seguir as tendências de outros setores da economia, talvez nos próximos anos não seja mais tão comum existirem professores com dez, 15 anos ou até mais tempo de casa, fato ainda corriqueiro em muitas escolas tradicionais. Para alguns especialistas ouvidos nesta reportagem, esse fenômeno já começou. Mas, em contraponto, há instituições de ensino que não sentem o problema porque conseguem manter seus quadros estáveis graças a políticas e investimentos voltados à retenção de talentos.
A competitividade do mercado educacional privado, que tem crescido nos últimos anos juntamente com a economia brasileira e ascensão da nova classe média, é um dos principais motivos relacionados à rotatividade, na opinião do presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de Pernambuco (Sinepe-PE), José Ricardo Dias Diniz, também diretor pedagógico do Colégio Boa Viagem, de Recife (PE). “Há uma rotatividade maior em função das exigências do mercado. A sociedade, os pais, passaram a exigir mais qualificação dos profissionais”, ressalta. Diniz destaca a necessidade de as escolas estarem “ajustadas aos novos tempos”, sintonizadas com a contemporaneidade da concepção pedagógica aos materiais didáticos, para poder atender as demandas atuais. O problema é que nem sempre os professores estão preparados para lidar com esse cenário, o que acaba levando à rotação no quadro de funcionários.
Segundo Ivani Bastos Irineu, diretor do Centro de Estudos Aplicados ao Profissional de Ensino (Ceap RH), empresa de recursos humanos especializada na área de educação, que atende cerca de 800 instituições de ensino do Paraná, grande parte das substituições dos docentes ocorre por falta de atualização dos profissionais. “O conteúdo é o mesmo e isso acaba gerando naturalmente uma zona de conforto para o professor, que dá a mesma aula de dez anos atrás. Mas os jovens de 2002 eram bem diferentes dos de 2012”, explica. A falta de habilidade didática também é outro fator associado às demissões, principalmente entre os recém-formados, que, na percepção de Irineu, saem tecnicamente qualificados das faculdades mas muitas vezes não sabem como “trabalhar o conteúdo, conduzir a aula e interagir com os alunos”. “A rotatividade [do setor educacional privado] pode ser menor [em relação à média nacional], porque se leva um tempo para que o professor seja bem avaliado. Podem-se passar dois, três anos, até que se perceba se o profissional é ou não um bom professor. E no mercado isso já é mais imediato”, analisa.
Como nas outras atividades econômicas, a falta de qualificação da mão de obra também atinge o setor educacional. Para Maria de Lourdes Carvalho Alvarenga, diretora pedagógica e uma das mantenedoras da Escola Recrearte e do Colégio Henri Wallon, na capital paulista, os cursos de Pedagogia estão caindo de qualidade e muitos professores concluem a faculdade sem o embasamento necessário à função de educador e sem uma formação condizente com as mudanças que o mundo globalizado exige. “A rotatividade na rede privada só não é mais alta porque a escola supre a função de capacitar e exigir a qualificação adequada, de acordo com sua metodologia. A situação nas escolas privadas tornou-se bastante complexa nos últimos dez anos”, afirma.
A presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Amábile Pacios, que afirma não haver grande rotatividade no setor, levanta outro problema, além da qualificação, como o maior motivador das demissões: “A principal razão de um desligamento de professor é a falta de sintonia entre a proposta pedagógica da escola e o perfil profissional dele.”
Retenção de talentos
O tempo médio de permanência do brasileiro no emprego é de cinco anos, segundo dados da Rais de 2009. Em comparação com 22 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil só perde para os Estados Unidos, que tem média de 4,4 anos. Na Alemanha, França, Itália e em Portugal, esse tempo corresponde aproximadamente a 11 anos. Na instituição de ensino Ateneu Barão de Mauá, em Ribeirão Preto (SP), a média é o dobro do índice nacional. Segundo Vera Beatriz Carlotti, coordenadora pedagógica do ensino médio e membro da equipe gestora, a maioria da equipe está há mais de dez anos na escola. Vera atribui a estabilidade do quadro às oportunidades internas e às condições de melhoria por meio de cursos que a própria instituição oferece. “Temos poucos desligamentos, mas normalmente ocorrem por solicitação do profissional, que opta por uma nova oportunidade”, conta a coordenadora. Aliás, esse é um comportamento que tem crescido, conforme mostram os números do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do MTE. Em 2007, foram realizadas 206.745 admissões e 183.952 demissões entre os professores da educação infantil ao ensino superior da rede privada. Do total de desligamentos, 26% aconteceram a pedido do professor. Já no ano passado, esse índice saltou para 34% das demissões.
Com o setor aquecido por causa do aumento do poder aquisitivo da população, que passou a usufruir mais dos serviços das escolas particulares, aumenta o leque de opções para os professores bem qualificados, como acredita o presidente do Sinepe-PE. Além disso, Diniz afirma que o segmento educacional também não está imune ao comportamento dos jovens profissionais da chamada geração Y, que tem como uma de suas características um menor vínculo com o emprego. Para reter seus talentos, a Escola Recrearte e o Colégio Henri Wallon oferecem quinquênio, participação nos resultados, capacitação em pós-graduação dentro da escola e inscrição em congressos sem custo para o docente, além de ajuda de custo para cursos fora da instituição e plano de carreira. As estratégias têm surtido efeitos positivos, e segundo a diretora pedagógica Maria de Lourdes, dos 82 funcionários, cerca de 24% trabalham na escola há mais de cinco anos, 11% estão na instituição por pelo menos dez anos e 9% estão lá há mais de 15 anos. Os outros cerca de 56% estão há menos de cinco anos devido ao crescimento da instituição, que abriu novos cursos e turmas nesse período.
Diniz insiste que, para manter os bons funcionários, apenas plano de carreira não basta; é preciso um plano de produtividade ligado a resultados para não gerar “acomodação”. Para o diretor do Ceap RH, pagar bons salários é importante, mas não é o ponto-chave. “Boa gestão é o diferencial. [É preciso] promover a valorização interna e ter processos capazes de reter os talentos”, resume Irineu.
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