A educação no Brasil é falha

A educação no Brasil é falha

A educação no Brasil é falha desde o começo

por Marcos de Aguiar Villas-Bôaspublicado 23/06/2017

Educação dos jesuítas, escolha do método Lancaster e outros fatores históricos levaram à má qualidade atual do ensino brasileiro

Tânia Rêgo/Agência Brasil
Educação no Brasil

Formalismo pedagógico, dogmático e religioso dos jesuítas educou a população com baixa qualidade moral e intelectual

O suíço Johann Heinrich Pestalozzi, estudado nos nossos últimos textos sobre educação, viveu de 1746 a 1827. O inglês Joseph Lancaster viveu de 1778 a 1838.

Apesar dos períodos semelhantes e de ambos terem sido grandes pedagogos adeptos do ensino mútuo, os seus métodos têm diferenças marcantes e o entendimento delas é crucial para o aperfeiçoamento da educação brasileira.

Com o objetivo de organizar, difundir a educação pública e combater a falta de professores, foi adotado no País, em 1823, com apoio de Dom Pedro I e dos membros da Assembleia Geral Legislativa, o método Lancaster.

Tal método, por ser centralmente pautado no ensino mútuo, reduziria os custos da educação pública e permitiria difundi-la sem necessidade de grande número de educadores formados.

Em 15 de outubro de 1827 foi publicada a lei que criou as escolas primárias, por meio da qual se reafirmou a adoção do método Lancaster. A partir de 1847, ele foi sendo substituído nas províncias pelo método simultâneo, o mais comum hoje, pois, além de ter suas falhas, foi mal aplicado no Brasil.

O ensino mútuo consiste no uso de monitores escolhidos entre os próprios alunos, tornando possível que diferentes classes sejam criadas com a existência de um único professor.

Apesar de ter sido muito atribuído a Lancaster, Pestalozzi aplicou esse método na sua experiência em Stans, na Suíça, em 1798, mesmo ano em que o inglês abriu sua escola, tendo-o feito um pouco antes do que ele e depois novamente em Yverdon por volta de 1817, porém comungando-o com outros métodos.  

Ao se referir ao ensino mútuo, Pestalozzi afirma o seguinte em Como Gertrudes ensina os seus filhos: “Dele me servi em Stans, numa época em que não se falava nem de Bell, nem de Lancaster”. Por sua vez, o pedagogo inglês publicou em 1803, aos 25 anos, a sua obra Improvents in Education (Aperfeiçoamentos na Educação), na qual apresentava o método Lancaster.  

Na verdade, Andrew Bell aplicou o ensino mútuo ainda antes do que os dois, pois já em 1796 publicou obra na qual explicava o sistema que criou a partir de sua experiência na Índia.

Além dos benefícios econômicos, o ensino mútuo, por meio de monitores, tem diversas outras vantagens, a exemplo de valorizar os melhores alunos, estimulando-os a serem bons o bastante para receberem essa posição de destaque; permitir que, além de professores adultos, os alunos possam ser ensinados por jovens com linguagem e modos semelhantes, levando a outro tipo de interação; e criar uma maior homogeneidade na aplicação do método por ter como monitores alunos formados na própria escola.   

O problema é que Lancaster não comungava o ensino mútuo com outros métodos, como o simultâneo e o individual, heterogeneidade que foi usada por Pestalozzi em Yverdon.

Todo o método estava pautado no ensino mútuo pela possibilidade que ele ensejava de educar centenas de crianças com apenas poucos professores, como o inglês fez em sua escola.

A utilização de forma sistematizada, inteligente, dos três métodos (simultâneo, mútuo e individual), tirando o melhor de cada um, parece um bom caminho.

É possível aplicar o ensino mútuo, por exemplo, no caso de alunos que necessitam de reforço e em certas atividades específicas em sala de aula, o que já é feito por algumas escolas.

O livro de Lancaster se inicia com uma defesa da difusão da educação pública.

Fortemente pautado em ideais cristãos, como Quaker que era, prega brilhantemente a igualdade, a caridade, a mútua condescendência, a união e o amor entre as pessoas, independentemente da sua classe social, do seu partido ou do seu credo.

Ele se aproxima, portanto, de Pestalozzi, que sofreu ataques por não ser religioso, apesar de um fervoroso defensor da filosofia moral cristã pregada por Lancaster.

Este se afasta de Bell, que pregava um método com tom religioso acentuado, o que os levou a travar uma disputa que levou Lancaster à falência e à prisão.

Essa visão da educação carregada de valores morais, mas contra o sectarismo religioso e dogmatismos era – e ainda é até hoje, mesmo que num cenário distinto – muito importante para o Brasil, cujo povo havia sido educado basicamente pelos jesuítas desde sua chegada à Bahia em 1549 até sua expulsão em 1759.

Os jesuítas, a despeito de bons trabalhos missionários que fizeram, em geral pregavam os dogmas da Igreja Católica com muito fervor e faziam críticas aos demais credos, sobretudo aos Protestantes.

O método dos jesuítas ainda era o escolástico medieval, num período em que a Europa já quebrava as amarras da Idade Média e ingressava pela Idade Moderna com grandes descobertas na ciência e na filosofia.

De certa forma, é como se, nos séculos XVII e XVIII, enquanto a Europa vivia o Iluminismo, o Brasil, “descoberto” há pouco tempo, estivesse vivendo a sua Idade Média.

Não é a toa que o país ainda tenha inúmeros déficits a sanar em relação aos mais desenvolvidos. Há fatores históricos claros que definem as instituições e políticas públicas de hoje, inclusa aí a educação. Entender esses fatores é primordial para sanar os déficits e tentar assumir a vanguarda.   

Além de destruir a maior parte da cultura local, os jesuítas implantaram o formalismo pedagógico dogmático-religioso, que teve seus méritos por educar parte da população do país, mas, em regra, com baixa qualidade moral e intelectual.

A despeito das exceções de missionários com grandes valores morais que estiveram por estas terras, como o padre português Antônio Vieira e o espanhol Fernando Miramez de Olivídeo, emissário do rei Filipe IV, que, apesar de católicos, não eram jesuítas e defenderam os direitos dos indígenas e dos negros; boa parte dos que se tornaram educadores no Brasil tinham ou passaram a ter, após aqui chegar, o objetivo de consolidar o império dos seus países na colônia, acumulando riquezas e regalias.

Assim o povo brasileiro foi formado até o final do século XVIII, ao longo de mais de 200 anos, e isso explica alguns elementos da cultura observados até hoje.

Pode-se dizer que pelo formalismo, pelo caráter manipulativo e dogmático, a educação brasileira do Brasil colônia foi o inverso daquilo pregado por Rousseau, Pestalozzi e Rivail, como visto em textos anteriores.

Após a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, houve interessantes reformas na educação portuguesa, que ficaram conhecidas como pombalinas, mas que não repercutiram muito no Brasil por falta de professores e outros aspectos. Buscou-se uma educação mais útil, aplicada, prática, porém não é o que se vê, em regra, até hoje.

A adoção do método Lancaster, apesar dos seus méritos em termos de abrangência, reverteu aquela filosofia da reforma pombalina, pois ele é centrado na memorização e na disciplina, ainda que o pedagogo inglês fosse contrário, como Pestalozzi, aos castigos corporais, comuns à época.

O método do suíço conseguia obter a ordem pelo amor, pelo respeito, e, apesar de valorizar o desenvolvimento da memória, como uma das faculdades naturais, o seu ensino estava muito mais pautado na experiência e no raciocínio lógico.

É possível notar uma forte preocupação de Lancaster com a ordem, que se superpôs, no seu método educacional, ao ideal do amor que ele mesmo pregava e, de fato, realizou em nível até acima média. Pestalozzi se focava no fortalecimento dos laços de fraternidade entre o mestre e os alunos, assim como entre estes, um dos principais pilares do seu método.

Ainda que o ensino mútuo tenha sido substituído no Brasil cerca de 30 anos depois pelo simultâneo, tendo em vista o seu fracasso, pois, dentre outros problemas ainda atuais, faltavam prédios adequados e professores qualificados para aplicar o método; a educação continuou marcada pela influência jesuíta e de Lancaster, revelando-se pautada na memorização e na imposição da ordem por meio de castigos.

Tanto sob o ângulo intelectual quanto moral, a média da educação brasileira é muito pobre, porém a história poderia ter sido outra se já tivesse sido aplicado o método Pestalozzi, pautado no desenvolvimento de faculdade naturais (capacidades) por meio de um ensino bastante prático e com forte carga moral transmitida por meio do exemplo, sem aplicação de punições.

Não se pode voltar atrás e mudar o passado, mas é possível mudar o presente e fazer um novo futuro. 

 

https://www.cartacapital.com.br/blogs/vanguardas-do-conhecimento/a-educacao-no-brasil-e-falha-desde-o-comeco 




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