A educação não vai bem
A educação brasileira não vai nada bem
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Otaviano Helene 20/10/2017
O Brasil nunca se destacou positivamente por alguma de suas características educacionais. Ao contrário, sempre estivemos em uma posição bem desfavorável, mesmo em comparação com nossos vizinhos geográficos ou geopolíticos da América do Sul.
Uma visão ampla da educação nacional pode ser obtida analisando poucos indicadores, como, por exemplo, as taxas de analfabetismo adulto e de inclusão no ensino superior. A primeira revela o passado do nosso sistema educacional. Afinal, uma pessoa de, digamos, 50 anos de idade e que seja, hoje, analfabeta, revela como era o ensino fundamental há cerca de quatro décadas, quando ela deveria ter sido alfabetizada.
Portanto, o analfabetismo adulto reflete a situação dos primeiros anos do ensino fundamental no passado não muito distante. No outro extremo, a taxa de inclusão no ensino superior em anos recentes mostra como é, atualmente, nosso sistema educacional em seu extremo mais avançado. Evidentemente, os demais indicadores educacionais só podem estar entre as duas situações reveladas por esses indicadores. E esses extremos mostram o enorme atraso educacional do país.
Atualmente, o Brasil é o segundo país com maior taxa de adultos analfabetos na América do Sul, apenas abaixo da Guiana (1). Quanto à inclusão no ensino superior, se tomarmos como referência o ano mais recente para o qual há dados para todos os países (com exceção do Suriname (2)), que é 2007, o Brasil, juntamente com a Colômbia, o Paraguai e o Peru, apresentam taxas de inclusão no ensino superior praticamente idênticas (cerca de 33%) (3). Note que esse valor é perto da metade daquele observado na Argentina, Chile, Colômbia e Venezuela e apenas melhor que o observado na Guiana, com uma taxa de inclusão da ordem de 14% em 2007.
Esses indicadores são quantitativos e, portanto, revelam apenas parte da realidade. No entanto, outros indicadores sugerem que também no aspecto qualitativo a Brasil está aquém daquilo que se observa na média dos demais países da região. O programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (4) classificou a educação brasileira em 2013 (anos mais recente disponível) na 85ª posição, apenas melhor, entre os países sul-americanos, do que a Guiana e o Suriname.
Ainda que se possa questionar a validade de programas de comparação internacional do desempenho estudantil, o PISA (5) coloca o país em uma das piores posições. Além disso, é necessário observar que o PISA analisa o desempenho dos estudantes de 15 anos de idade com menos do que dois anos de atraso escolar e que, obviamente, ainda não foram excluídos da escola.
Portanto, embora o PISA possa revelar muita coisa sobre o desempenho dos estudantes brasileiros, ele esconde dois problemas graves do país: a quantidade de jovens fora da escola (6) e a defasagem idade-série. Caso essa defasagem não existisse ou fosse menor e os jovens que estão fora da escola participassem das avaliações, os resultados seriam ainda piores.
Outro indicador da qualidade da educação poderia ser o número de ganhadores do Prêmio Nobel. Embora os países da América do Sul tenham 11 laureados (7), nenhum é brasileiro, apesar do nosso país ter uma população igual à soma dos demais países da região.
Esses indicadores quantitativos e qualitativos mostram claramente nossos atrasos educacionais. Talvez, entretanto, seja necessário fazer uma consideração adicional antes de continuarmos, uma vez que as informações e análises apresentadas parecem se chocar com o fato que várias universidades brasileiras estão entre as mais bem classificadas pelas empresas de ranqueamento desse tipo de instituição na América do Sul. Essa aparente contradição, na verdade, reflete outro problema muito grave da educação nacional: a desigualdade.
Embora em média nosso sistema educacional esteja entre os piores da América do Sul, a desigualdade faz com que essa média seja formada por uma combinação de situações muito ruins, que são quantitativamente dominantes, com alguns poucos bolsões de alta qualidade. Entretanto, como os últimos são muito pequenos quando considerado o tamanho do país, são insuficientes para “puxar” a média para cima.
De fato, nosso sistema educacional é extremamente desigual e excludente: quase metade dos jovens é excluída da escola antes de completar o ensino médio, basicamente por razões econômicas. Adicionalmente, grande parte dos que concluem tal nível educacional o faz com enormes deficiências formativas. Assim, o país descarta a maior parte de seus jovens, independentemente de quão bons estudantes e profissionais poderiam ser. Evidentemente, um país que faz isso não tem como garantir um futuro promissor para seus cidadãos; ao contrário, está garantindo um futuro de atraso.
Entre as muitas razões pelas quais nosso sistema educacional é ruim, mesmo quando comparado com países que não se destacam por terem sistemas educacionais realmente bons, estão as enormes desigualdades do país no que diz respeito à distribuição de renda, tanto entre as pessoas como entre as diferentes regiões do país e de cada um de seus estados. Outra razão é o baixo investimento em educação pública quando considerada a quantidade de jovens e crianças no país e nossos atrasos educacionais.
Além dessas duas razões para nosso atraso educacional, há muitas outras. Um programa de governo que esteja realmente comprometido com o desenvolvimento social do país e com o crescimento da produção econômica precisa ter um diagnóstico preciso da nossa situação educacional, apontar as soluções e explicitar a forma de encaminhá-las.
Este artigo, possivelmente o primeiro de uma pequena série, faz um breve e geral diagnóstico da educação. Os próximos detalharão alguns diagnósticos, proporão soluções e a forma de viabilizá-las.
Leia também:
1) Os dados são do Instituto de Estatística da Unesco, UIS, http://data.uis.unesco.org. Consultado em outubro/2017
2) O dado mais recente sobre o ensino superior do Suriname é de 2002. O fato que há poucas informações para anos anteriores inviabiliza uma extrapolação confiável.
3) Taxa de inclusão é a relação entre o número de matriculados e a população em uma faixa etária correspondente ao nível de ensino considerado. No caso do ensino superior, essa faixa etária é de 5 anos a contar dos 18 anos de idade.
4) Ver o Índice Educacional dos países em http://hdr.undp.org/en/content/education-index
5) O Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Programme for International Student Assessment) é uma avaliação de desempenho escolar coordenado pela OECD.
6) Ver, por exemplo, a publicação da Unesco Youth and changing realities Rethinking secondary education in Latin America, Néstor López, Renato Opertti and Carlos Vargas Tamez (eds), de 2017, acessível em http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002475/247577E.pdf
7) Ciências, 4; Paz, 4 e Literatura, 3.
Otaviano Helene, professor da Universidade de São Paulo, é autor dos livros “Um diagnóstico da educação brasileira e de seu financiamento” e “Análise comparativa da educação brasileira: do final do século XX ao início do século XXI” e mantém o blog blogolitica.blogspot.com.br
http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12904-a-educacao-brasileira-nao-vai-nada-bem