A educação não vai bem

A educação não vai bem

A educação brasileira não vai nada bem


O Brasil nunca se des­tacou po­si­ti­va­mente por al­guma de suas ca­rac­te­rís­ticas edu­ca­ci­o­nais. Ao con­trário, sempre es­ti­vemos em uma po­sição bem des­fa­vo­rável, mesmo em com­pa­ração com nossos vi­zi­nhos ge­o­grá­ficos ou ge­o­po­lí­ticos da Amé­rica do Sul.
    
Uma visão ampla da edu­cação na­ci­onal pode ser ob­tida ana­li­sando poucos in­di­ca­dores, como, por exemplo, as taxas de anal­fa­be­tismo adulto e de in­clusão no en­sino su­pe­rior. A pri­meira re­vela o pas­sado do nosso sis­tema edu­ca­ci­onal. Afinal, uma pessoa de, di­gamos, 50 anos de idade e que seja, hoje, anal­fa­beta, re­vela como era o en­sino fun­da­mental há cerca de quatro dé­cadas, quando ela de­veria ter sido al­fa­be­ti­zada. 

Por­tanto, o anal­fa­be­tismo adulto re­flete a si­tu­ação dos pri­meiros anos do en­sino fun­da­mental no pas­sado não muito dis­tante. No outro ex­tremo, a taxa de in­clusão no en­sino su­pe­rior em anos re­centes mostra como é, atu­al­mente, nosso sis­tema edu­ca­ci­onal em seu ex­tremo mais avan­çado. Evi­den­te­mente, os de­mais in­di­ca­dores edu­ca­ci­o­nais só podem estar entre as duas si­tu­a­ções re­ve­ladas por esses in­di­ca­dores. E esses ex­tremos mos­tram o enorme atraso edu­ca­ci­onal do país. 

Atu­al­mente, o Brasil é o se­gundo país com maior taxa de adultos anal­fa­betos na Amé­rica do Sul, apenas abaixo da Guiana (1). Quanto à in­clusão no en­sino su­pe­rior, se to­marmos como re­fe­rência o ano mais re­cente para o qual há dados para todos os países (com ex­ceção do Su­ri­name (2)), que é 2007, o Brasil, jun­ta­mente com a Colômbia, o Pa­ra­guai e o Peru, apre­sentam taxas de in­clusão no en­sino su­pe­rior pra­ti­ca­mente idên­ticas (cerca de 33%) (3). Note que esse valor é perto da me­tade da­quele ob­ser­vado na Ar­gen­tina, Chile, Colômbia e Ve­ne­zuela e apenas me­lhor que o ob­ser­vado na Guiana, com uma taxa de in­clusão da ordem de 14% em 2007.
    
Esses in­di­ca­dores são quan­ti­ta­tivos e, por­tanto, re­velam apenas parte da re­a­li­dade. No en­tanto, ou­tros in­di­ca­dores su­gerem que também no as­pecto qua­li­ta­tivo a Brasil está aquém da­quilo que se ob­serva na média dos de­mais países da re­gião. O pro­grama das Na­ções Unidas para o De­sen­vol­vi­mento (4) clas­si­ficou a edu­cação bra­si­leira em 2013 (anos mais re­cente dis­po­nível) na 85ª po­sição, apenas me­lhor, entre os países sul-ame­ri­canos, do que a Guiana e o Su­ri­name. 

Ainda que se possa ques­ti­onar a va­li­dade de pro­gramas de com­pa­ração in­ter­na­ci­onal do de­sem­penho es­tu­dantil, o PISA (5) co­loca o país em uma das pi­ores po­si­ções. Além disso, é ne­ces­sário ob­servar que o PISA ana­lisa o de­sem­penho dos es­tu­dantes de 15 anos de idade com menos do que dois anos de atraso es­colar e que, ob­vi­a­mente, ainda não foram ex­cluídos da es­cola. 

Por­tanto, em­bora o PISA possa re­velar muita coisa sobre o de­sem­penho dos es­tu­dantes bra­si­leiros, ele es­conde dois pro­blemas graves do país: a quan­ti­dade de jo­vens fora da es­cola (6) e a de­fa­sagem idade-série. Caso essa de­fa­sagem não exis­tisse ou fosse menor e os jo­vens que estão fora da es­cola par­ti­ci­passem das ava­li­a­ções, os re­sul­tados se­riam ainda pi­ores.

Outro in­di­cador da qua­li­dade da edu­cação po­deria ser o nú­mero de ga­nha­dores do Prêmio Nobel. Em­bora os países da Amé­rica do Sul te­nham 11 lau­re­ados (7), ne­nhum é bra­si­leiro, apesar do nosso país ter uma po­pu­lação igual à soma dos de­mais países da re­gião.

Esses in­di­ca­dores quan­ti­ta­tivos e qua­li­ta­tivos mos­tram cla­ra­mente nossos atrasos edu­ca­ci­o­nais. Talvez, en­tre­tanto, seja ne­ces­sário fazer uma con­si­de­ração adi­ci­onal antes de con­ti­nu­armos, uma vez que as in­for­ma­ções e aná­lises apre­sen­tadas pa­recem se chocar com o fato que vá­rias uni­ver­si­dades bra­si­leiras estão entre as mais bem clas­si­fi­cadas pelas em­presas de ran­que­a­mento desse tipo de ins­ti­tuição na Amé­rica do Sul. Essa apa­rente con­tra­dição, na ver­dade, re­flete outro pro­blema muito grave da edu­cação na­ci­onal: a de­si­gual­dade. 

Em­bora em média nosso sis­tema edu­ca­ci­onal es­teja entre os pi­ores da Amé­rica do Sul, a de­si­gual­dade faz com que essa média seja for­mada por uma com­bi­nação de si­tu­a­ções muito ruins, que são quan­ti­ta­ti­va­mente do­mi­nantes, com al­guns poucos bol­sões de alta qua­li­dade. En­tre­tanto, como os úl­timos são muito pe­quenos quando con­si­de­rado o ta­manho do país, são in­su­fi­ci­entes para “puxar” a média para cima.

De fato, nosso sis­tema edu­ca­ci­onal é ex­tre­ma­mente de­si­gual e ex­clu­dente: quase me­tade dos jo­vens é ex­cluída da es­cola antes de com­pletar o en­sino médio, ba­si­ca­mente por ra­zões econô­micas. Adi­ci­o­nal­mente, grande parte dos que con­cluem tal nível edu­ca­ci­onal o faz com enormes de­fi­ci­ên­cias for­ma­tivas. Assim, o país des­carta a maior parte de seus jo­vens, in­de­pen­den­te­mente de quão bons es­tu­dantes e pro­fis­si­o­nais po­de­riam ser. Evi­den­te­mente, um país que faz isso não tem como ga­rantir um fu­turo pro­missor para seus ci­da­dãos; ao con­trário, está ga­ran­tindo um fu­turo de atraso.
    
Entre as muitas ra­zões pelas quais nosso sis­tema edu­ca­ci­onal é ruim, mesmo quando com­pa­rado com países que não se des­tacam por terem sis­temas edu­ca­ci­o­nais re­al­mente bons, estão as enormes de­si­gual­dades do país no que diz res­peito à dis­tri­buição de renda, tanto entre as pes­soas como entre as di­fe­rentes re­giões do país e de cada um de seus es­tados. Outra razão é o baixo in­ves­ti­mento em edu­cação pú­blica quando con­si­de­rada a quan­ti­dade de jo­vens e cri­anças no país e nossos atrasos edu­ca­ci­o­nais. 

Além dessas duas ra­zões para nosso atraso edu­ca­ci­onal, há muitas ou­tras. Um pro­grama de go­verno que es­teja re­al­mente com­pro­me­tido com o de­sen­vol­vi­mento so­cial do país e com o cres­ci­mento da pro­dução econô­mica pre­cisa ter um di­ag­nós­tico pre­ciso da nossa si­tu­ação edu­ca­ci­onal, apontar as so­lu­ções e ex­pli­citar a forma de en­ca­minhá-las.

Este ar­tigo, pos­si­vel­mente o pri­meiro de uma pe­quena série, faz um breve e geral di­ag­nós­tico da edu­cação. Os pró­ximos de­ta­lharão al­guns di­ag­nós­ticos, pro­porão so­lu­ções e a forma de vi­a­bi­lizá-las.

Leia também:

1) Os dados são do Ins­ti­tuto de Es­ta­tís­tica da Unesco, UIS, http://​data.​uis.​unesco.​org. Con­sul­tado em ou­tubro/2017

2) O dado mais re­cente sobre o en­sino su­pe­rior do Su­ri­name é de 2002. O fato que há poucas in­for­ma­ções para anos an­te­ri­ores in­vi­a­bi­liza uma ex­tra­po­lação con­fiável.

3) Taxa de in­clusão é a re­lação entre o nú­mero de ma­tri­cu­lados e a po­pu­lação em uma faixa etária cor­res­pon­dente ao nível de en­sino con­si­de­rado. No caso do en­sino su­pe­rior, essa faixa etária é de 5 anos a contar dos 18 anos de idade.

4) Ver o Ín­dice Edu­ca­ci­onal dos países em http://​hdr.​undp.​org/​en/​content/​edu​cati​on-​index 

5) O Pro­grama In­ter­na­ci­onal de Ava­li­ação de Alunos (Pro­gramme for In­ter­na­ti­onal Stu­dent As­ses­s­ment) é uma ava­li­ação de de­sem­penho es­colar co­or­de­nado pela OECD. 

6) Ver, por exemplo, a pu­bli­cação da Unesco Youth and chan­ging re­a­li­ties Rethin­king se­con­dary edu­ca­tion in Latin Ame­rica,  Néstor López, Re­nato Opertti and Carlos Vargas Tamez (eds), de 2017, aces­sível em http://​unesdoc.​unesco.​org/​images/​0024/​002475/​247577E.​pdf 

7) Ci­ên­cias, 4; Paz, 4 e Li­te­ra­tura, 3.

Ota­viano He­lene, pro­fessor da Uni­ver­si­dade de São Paulo, é autor dos li­vros “Um di­ag­nós­tico da edu­cação bra­si­leira e de seu fi­nan­ci­a­mento” e “Aná­lise com­pa­ra­tiva da edu­cação bra­si­leira: do final do sé­culo XX ao início do sé­culo XXI” e mantém o blog blo­go­li­tica.​blo​gspo​t.​com.​br


http://www.correiocidadania.com.br/2-uncategorised/12904-a-educacao-brasileira-nao-vai-nada-bem 




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