Um currículo nas mãos de todos

Um currículo nas mãos de todos

 

Debate em torno da Base Nacional Comum Curricular tem gerado divergências entre especialistas, mas documento está aberto a sugestões da sociedade. Entenda o que isso significa para a educação brasileira

Consulta pública aberta pelo Ministério da Educação (MEC) está possibilitando que qualquer cidadão interessado na educação do Brasil possa dar sua opinião sobre o que as escolas devem ensinar às crianças e aos adolescentes de todo o país. Prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) de 2014, a Base Nacional Comum Curricular (BNC) vai se tornar obrigatória e servirá de parâmetro para o ensino básico brasileiro – mais de 190 mil escolas devem seguir as orientações dessa base. Dividido em quatro áreas do conhecimento – linguagens, ciências humanas, matemática e ciências da natureza –, o documento deve considerar, além dos conteúdos, questões regionais e temas paralelos à educação (como sustentabilidade, tecnologia e diversidade), em uma matriz única para todo o país.

A primeira versão da BNC foi elaborada com a participação de 116 especialistas, distribuídos em 29 comissões. O texto final deve ser encaminhado ao Conselho Nacional de Educação (CNE) até julho deste ano. De acordo com o documento preliminar, a BNC contará com, aproximadamente, 60% dos conteúdos a serem tratados em sala de aula – seja do ensino público ou privado – e o restante será determinado regionalmente.

Roberto Rafael Dias da Silva, pesquisador na área de estudos curriculares e professor do programa de pós-graduação da Universidade de Caxias do Sul (UCS-RS), afirma que, ao longo das últimas décadas, a padronização do ensino tem sido discutida em diferentes países sem um consenso. “Sou favorável ao desenvolvimento de bons textos curriculares. Entretanto, penso que poderiam ser suficientemente amplos, de maneira que garantam a constante participação das comunidades escolares, bem como a autonomia dos professores”, analisa. “Um bom texto curricular traçaria algumas possibilidades formativas para todos os estudantes, mas ficaria aberto às diferenciações, variações e conflitualidades dos cotidianos escolares”, pontua. Em seus comunicados oficiais, o Ministério da Educação (MEC) afirma que o principal propósito desse trabalho é fazer com que haja abordagens regionais, que permitam tratar de aspectos específicos de cada localidade do país, e também permitir as escolhas e detalhes de cada sistema educacional. Em linhas gerais, segundo o MEC, a BNC estabelece o conjunto de conhecimentos e habilidades essenciais que cada estudante deve desenvolver em cada etapa da educação. No entanto, embora pareça razoável para um país com enorme território, a base nacional curricular sempre foi motivo de divergências entre os especialistas em educação.

Argumentos

Há um grupo de pesquisadores que defende o estabelecimento da BNC com o argumento de que a padronização seria benéfica por oferecer a todos os estudantes a garantia do mesmo ensino – ou, em tese, o mesmo conteúdo. Além disso, para os defensores da base nacional curricular, ela funciona como um mecanismo de inclusão, capaz de favorecer a integração dos grupos excluídos na sociedade. Por outro lado, há outra dissidência de pesquisadores que interpreta a ideia como desnecessária, entendendo que ela pode se tornar uma forma de padronização do ensino, desrespeitando as especificidades locais e culturais de cada região do Brasil. Outra posição adotada por esse grupo é a de que há necessidade de aumentar os esforços pela obtenção da qualidade nas escolas, em termos estruturais e de formação de professores. Ou seja, para eles, o esforço para se determinar um currículo nacional teria menos peso que o investimento em infraestrutura, capacitação dos professores e outros aspectos importantes para o resultado em educação.

Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação na época do lançamento da proposta inicial da BNC (setembro do ano passado), tratou a questão sem ideologias em um de seus pronunciamentos. “É uma base de discussão para determinar o que cada aluno deve ter de conhecimento. Para saber, por exemplo, o que se deve aprender de matemática em cada ano, como e quando se deve aprender equações de segundo grau, como deve ser o desenvolvimento da biologia”, explicou.

A voz do povo

Apesar de as linhas gerais da base educacional brasileira já terem sido divulgadas, são vários os desafios para se chegar ao texto final do documento, e um dos aspectos perseguidos a fim de se legitimar esse trabalho é encontrar um caminho para ouvir a opinião da sociedade – e, mais adiante, levar “a voz povo” em consideração. Para os especialistas consultados pela reportagem, a diversidade de opiniões – até mesmo de pessoas que não necessariamente atuem na educação – é essencial para se chegar a um bom resultado. “Agora é a vez da sociedade – melhor dizendo, das várias comunidades de pesquisadores e docentes, mas também da sociedade como um todo. Para construirmos a melhor base possível, será necessária a participação de todos os que queiram se pronunciar sobre qual é a melhor [proposta de] formação de nossos jovens”, afirmou o ex-ministro Ribeiro na introdução do documento.

Antônio Augusto Gomes Batista, coordenador de pesquisas do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), explica que a instituição se mobilizou para incentivar os professores a participarem do debate por meio da internet. “Nosso interesse é mobilizar professores e educadores para alguma causa. Como acreditamos que o processo de construção só se efetiva se houver participação dos professores e da sociedade, estamos atuando nesse sentido”, explica. “Quando se discutia a necessidade de uma base (antes de sua exigência por lei), os professores não estavam participando, e é fundamental que isso ocorra”, complementa Batista.

Alessio Costa Lima, presidente da União Educacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), afirma que a base só conseguirá ser efetivada com a participação de todos os interessados, até mesmo de quem se mostra contrário à mudança – na opinião dele, as divergências são positivas na produção de um texto eficiente. “Uma das premissas é garantir e dar ampla visibilidade à população para que se discuta a educação brasileira, incluindo os atores envolvidos nesse processo. Outro aspecto importante é fazer com que existam posições distintas para o debate, inclusive dos críticos”, destaca Lima. O professor Dias da Silva, da Universidade de Caxias do Sul, afirma que a base tem o desafio de reconhecer as diferenças e propiciar a redistribuição das oportunidades de acesso ao conhecimento e a participação das comunidades envolvidas. “Não seria uma formulação de simples resolução, mas atribuiria intensa legitimidade ao processo de desenvolvimento curricular. Deve-se destacar também a imprescindibilidade de que tal processo participativo possa dialogar com os especialistas em currículo de nossas universidades, que, ao longo das últimas décadas, produziram um acúmulo significativo de estudos sobre a questão”, analisa.

Este é apenas um trecho da reportagem de capa da edição de janeiro de 2016. A matéria na íntegra está disponível na revista impressa

 

http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/ensino/1381-um-curriculo-nas-maos-de-todos




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