Sobre política de ensino

Sobre política de ensino

Doutor em educação fala sobre política de ensino

 24/04/2016

Doutor em educação fala sobre política de ensino (Foto: Elcimar Neves/Diário do Pará)

“As escolas precisam encantar as crianças”, afirma o doutor Luiz Araújo.
(Foto: Elcimar Neves/Diário do Pará)

Para manter uma escola de ensino fundamental em São Paulo, o Poder Público investe R$ 4 reais para cada R$ 1 real investido nos Estados do Norte e Nordeste. O resultado é que, enquanto alunos das regiões mais ricas podem contar com escolas equipadas, professores qualificados e material didático de qualidade, em Estados como o Pará é possível encontrar colégios que sequer têm salas adequadas (veja matéria nas páginas 10 e 11 desta edição). Para mudar essa realidade, especialistas da área vêm propondo o chamado CAQ (Custo Aluno Qualidade), um valor a ser investido nas escolas de todo o País para manter um padrão mínimo de qualidade.

Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Luiz Araújo, 52 anos, acaba de lançar um livro sobre o CAQ, no qual avalia os impactos da implantação do programa. Araújo, que é paraense e já foi secretário de Educação do Município de Belém, presidiu também o Instituto Anísio Teixeira (Inep). Hoje, é professor no Instituto de Educação da Universidade de Brasília. Na semana passada, ele esteve em Belém para lançar o livro e conversou com o DIÁRIO sobre o financiamento da Educação, corte de recursos e propostas como as que vêm sendo geradas por alguns estados de privatizar as escolas. 

P: Por que a educação brasileira é tão desigual?
R: Na Constituição, o Brasil reconheceu as desigualdades territoriais e isso tem reflexo nas políticas públicas. Então, é preciso combater essas desigualdades. Na educação, há a necessidade de se ter um padrão mínimo de qualidade, seja o serviço prestado em Acará (interior do Pará), São Paulo ou Brasília. De 1988 para cá, esse padrão nunca foi regulamentado. E o que aconteceu na prática? Como os municípios são muito desiguais, os serviços que eles prestam também são díspares. Então, você tem escolas que não têm banheiro, professores que não têm qualificação e o cidadão não está sendo tratado com o mesmo patamar de igualdade. 

P: E quanto deveria ser investido por aluno nas escolas públicas?
R: Hoje uma creche recebe cerca de por R$ 2. 800, por ano, para cada aluno. Esse valor deveria estar perto de R$ 9 mil. No ensino fundamental, a diferença é menor. O principal fator que diferencia o custo é pessoal. Na planilha do CAQ você joga o piso dos professores, que muitos municípios não cumprem, o número máximo de alunos por turma e estabelece uma carreira, que muitos professores não têm. 

P: Quanto se investe por aluno no Pará?
R: Não há um estudo conclusivo, mas estima-se que a cada R$ 4,5 investidos em São Paulo, R$ 1 é investido no Pará. Por isso que o CAQ beneficiará principalmente os Estados do Norte e Nordeste, porque esses têm mais escolas abaixo do padrão. Isso foi precificado, apresentado nas conferências de educação e o Conselho Nacional de Educação assumiu essa ferramenta. Foi levado, em 2010, para o gabinete do ministro. Agora, em maio, vai completar 6 anos que o projeto está na gaveta.

P: Quanto a implantação do CAQ custará aos cofres da União?
R: A preços de 2011, a gente precisaria colocar a mais R$ 56 bilhões na Educação. Parece muito, considerando o salário do professor de um município pequeno. Mas, considerando os gastos correntes da União, não é um preço absurdo e, logicamente, isso não precisa ser implantado de uma vez. Quando nós fizemos a transição do Fundeb, a gente estava com R$ 400 milhões de complementação da União e queria passar para 4,5 bilhões. As pessoas achavam um absurdo. Hoje, o Fundeb já recebe R$ 10 bilhões. É um impacto grande. Mas os resultados em relação ao direito à Educação e os efeitos na redução das desigualdades, seriam muito maiores. 

Segundo o doutor Luiz Araújo, é preciso vontade política e investimentos para mudar a desigualdade social na educação. (Foto: Elcimar Neves/Diário do Pará)

P: Quem deve pagar essa conta, no fim das contas?
R: Em termos federativos e financeiros, quem deve ter a maior carga seria a União, porque é a que destina menos recursos para a Educação hoje. E porque é quem tem o papel constitucional de combater a desigualdade.

P: Aqui, já se discute passar as escolas para a administração de OS (Organização Social). Como você avalia isso?
R: É uma forma de atender à demanda, mas de maneira precária. O principal componente de custo educacional é pessoal. O fato é que uma Organização Social é privada. Sendo privada, não é obrigada a ter carreira de professores e nem ter piso salarial. Só isso dá uma diferença de preço enorme no custo. Mas significa que você terá pessoas menos qualificadas, ganhando menos, enchendo as salas de alunos. Ou seja, você estará oferecendo um serviço mais precário.

P: O governo do Estado chegou a contratar cursinhos para dar aulas de reforço do Enem. É uma saída?
R: Nesse caso, eu acho que tem mais a ver com querer maquiar o resultado das avaliações. Se eu pego uma turma e potencializo o número de horas que ela vai estudar para o Enem, isso melhora a nota e o meu indicador. Qual o problema disso? Você melhora a nota no Enem, mas mantém seu indicador na Prova Brasil lá em baixo. Então, vamos ter uma boa e uma má notícia sobre a mesma rede, com um resultado meio contraditório.

P: Diante da crise, a Educação tem sido afetada com cortes substanciais. Como mudar essa realidade?
R: A crise paralisa o País. Nós temos uma crise, mas os remédios estão aprofundando essa crise econômica. Porque estão encarecendo o dinheiro, provocando uma recessão para diminuir os preços. Em um momento desses, falar em expandir recursos é quase uma heresia. Mas a crise se resolve também mudando as prioridades.

P: E quais seriam as prioridades?
R: O Brasil precisa de mais cientistas e de tecnologia. Mas, se você não tem um laboratório de ciências na escola, como vai ter cientistas? O meu filho de 15 anos está em escola pública de ensino médio, no Distrito Federal. Lá, tem laboratório de ciências e ele chegou em casa encantado. A possibilidade de ele seguir alguma coisa nessa área é maior do que um aluno em uma escola do Pará. As escolas precisam encantar as crianças. Ela precisa estar bem no ambiente escolar.

(Rita Soares/Diário do Pará) 

 

http://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-366068-.html 




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