Mais educação, menos filhos

Mais educação, menos filhos

 

Antonio Gois - O Globo - 09/03/2015 - Rio de Janeiro, RJ


Desde a década de 80, demógrafos já identificavam que o Brasil registrava queda acentuada no número de filhos por mulher. O fenômeno, como esperado, havia começado entre as mais ricas e escolarizadas, mas a previsão era de que chegaria também às mais pobres. Ignorando as evidências trazidas por especialistas em fecundidade, boa parte da sociedade até pouco tempo ainda temia uma explosão populacional. Os pobres, argumentavam alguns, continuavam a se reproduzir a taxas africanas e, sem políticas mais drásticas de controle da natalidade, estratégias de combate à pobreza estariam fadadas ao fracasso.

A fobia de que os pobres continuariam tendo filhos a taxas preocupantes foi sendo nos últimos anos sepultada a cada nova rodada de levantamentos populacionais do IBGE. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) já mostra que mesmo as brasileiras do Nordeste que se encontram entre as 20% mais pobres do país estão tendo um número reduzido de filhos. Em 2013, último ano com dados disponíveis, a média era de apenas duas crianças de até 14 anos de idade por mulher nesse grupo, segundo estudo do Ministério do Desenvolvimento Social. Dez anos antes, a relação era de 2,7. Em todo o país, a média é também baixa: apenas 1,6 filho por mulher em 2013.

O Bolsa Família não alterou esse quadro. A fecundidade continuou em queda entre os mais pobres nos últimos dez anos, e os estudos feitos em famílias beneficiadas mostram que o impacto do programa na decisão de ter mais filhos foi nulo. Pagar R$ 35 ou até R$ 77 mensais por criança não incentivou a natalidade.

Encontrar famílias numerosas no Brasil é tarefa cada vez mais difícil. Uma tabulação feita pela coluna também na Pnad mostra que em apenas 1% dos domicílios havia cinco ou mais filhos vivendo no mesmo lar em 2013. A redução da fecundidade não ocorre só entre os pobres do Nordeste. O Censo do IBGE registrou na década passada diminuição da população até 14 anos de idade vivendo nos complexos do Alemão, da Maré e na Rocinha.

Uma das variáveis — talvez a mais importante — a explicar a queda na fecundidade foi o avanço da escolaridade feminina, pois há uma significativa correlação entre mais anos de estudo e menor número de filhos. De 1981 a 2013, a proporção de mulheres jovens adultas, de 25 a 34 anos, com ensino médio completo passou de 19% para 65%, enquanto a taxa de analfabetismo funcional caiu de 38% para 6% nesse grupo.

De repente, muitos dos que se assustavam com o risco de explosão demográfica passaram a se preocupar com o problema inverso: seremos uma população cada vez mais envelhecida, com uma proporção menor de jovens e adultos para sustentar um contingente crescente de idosos. Para enfrentar essa questão, a educação será, novamente, variável fundamental.

A queda no número de filhos abre uma oportunidade única de facilitar a ampliação do investimento por criança. Isso pode resultar, por exemplo, no aumento de vagas em creches e escolas de tempo integral, liberando tempo dos pais — principalmente das mulheres, ainda hoje sobrecarregadas com a tarefa de cuidar dos filhos — para investir mais em suas carreiras. E, mais importante, se o ensino for de qualidade, os futuros adultos estarão muito mais preparados para lidar com o imenso desafio que terão pela frente.




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