Programa de alfabetização é criticada

Programa de alfabetização é criticada

Autor de livro sobre alfabetização critica programa do MEC

Da redação - Terra Educação - 03/09/2014 - São Paulo, SP

 

Apenas um em quatro brasileiros são plenamente alfabetizados. São 26% da população considerados bons leitores, ou seja, que leem automaticamente. Existem 14 milhões de analfabetos, e quanto menor a renda, maior o percentual de analfabetismo. Diante desse contexto, o autor do livro Alfabetizar para a democracia - lançado em agosto e com um capítulo exclusivo sobre a alfabetização brasileira -, José Morais, critica a lógica construtivista do Ministério da Educação (MEC). Para ele, há pelo menos 15 anos, a pasta traça um caminho errado para ensinar as crianças a ler e escrever. Também critica a meta 5 do Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado neste ano pela presidente Dilma Rousseff, segundo a qual todas as crianças deverão ser alfabetizadas até a terceira série.

Morais já era crítico do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, que estabelecia a terceira série como limite para alfabetização dos alunos da rede pública e acrescentava a idade máxima de 8 anos. Morais explica que, do ponto de vista cognitivo, não há idade certa para aprender a ler e escrever, trata-se de um critério político e necessário dentro do sistema educativo. Na maioria dos países, de acordo com o professor, começa-se a aprender a ler aos seis anos. Em seu livro, o autor também cita estudos que comprovam não haver diferenças significativas nos desempenhos de crianças que começam a alfabetização precocemente em relação àquelas que aprendem tardiamente a ler e escrever. A crítica do professor ao PNE é que é de conhecimento geral que, nas escolas particulares brasileiras, a maioria dos alunos terminaria o primeiro ano já alfabetizada. `Não entendi qual é o objetivo do MEC com essa medida. Já me disseram que o objetivo é esconder o fracasso da alfabetização nos anos anteriores. Será mesmo? Não sei. O que sei é que as consequências prováveis são péssimas`, disse, em entrevista ao Terra.

Para o professor, a nova meta aprofunda a diferença no desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita entre as crianças que frequentam colégios privados de bom nível e aquelas de escolas públicas. `O que se pretende? Reproduzir, na alfabetização, as diferenças socioculturais? Que filho de rico se mantenha na elite, e filho de pobre ou remediado fique lá para trás? Acredito que não seja isso o que o MEC procura, mas é isso que vai encontrar`.

Método anticientífico

Morais explica porque considera errado o trabalho do MEC em relação à alfabetização: `ele (o programa de alfabetização brasileiro) é anticientífico porque ignora o que a psicologia e a neurociência cognitivas têm revelado sobre os processos de aprendizagem da leitura e porque, em lugar destas descobertas, se baseia em, essencialmente, três ideias falsas`. O doutor em ciências psicológicas pela Universidade Livre de Bruxelas e doutor honoris causa pela Universidade de Lisboa afirma que aprender a ler não é um processo natural. `Diz o programa construtivista adotado pelo MEC que `a criança aprende a ler lendo`, e por isso ela é logo confrontada com textos, como se bastasse, por exemplo, jogar a criança numa piscina para aprender a nadar e esperar que ela faça as suas hipóteses sobre as forças que a manterão na superfície`. Aprender a ler, explica, requer um ensino orientado e sistemático que conduza a criança a compreender como a escrita se relaciona com a fala.

A segunda ideia falsa na opinião de Morais é não entender o alfabeto como um código, mas como uma notação, como são as notas musicais, por exemplo. O professor explica que o processo de alfabetização demanda relacionar sons com letras e fonemas com grafemas para codificá-los e decodificá-los. Para tanto, é preciso entender que fonemas não são sons, mas `padrões ou componentes de gestos articulatórios que se encontram codificados na corrente acústica da fala e de que geralmente só tomamos consciência porque são representados pelas letras do alfabeto, sós (como em pó) ou em combinação (como em chá)`. A criança precisa aprender a decodificar a fala como uma sequência de fonemas, associando estes com as letras e grafemas (unidade mínima da escrita que pode ser uma letra ou um dígrafo, como `ch`). `Isto é muito mais complexo do que uma notação ou uma cifra, e por isso aprender a ler e escrever é difícil. Só reconhecendo esta dificuldade podemos fazer uma boa alfabetização`.

O terceiro erro do MEC apontado por Morais é negar que, na alfabetização, há uma progressão de aquisições. `Para o MEC, tudo começa no sentido e acaba no sentido, e desta maneira os alunos acabam incapazes de extrair, interpretar e avaliar o sentido dos textos porque simplesmente não aprenderam a ler`.

Ele explica que, ao aprendermos a ler, primeiro compreendemos o princípio alfabético - sem ainda estarmos aptos a ler. Depois é que passamos a usar e controlar o código ortográfico, decodificando na leitura e na escrita - nos tornamos leitores autônomos, mas ainda não leitores hábeis. Só em uma terceira etapa, o processo de leitura passa a ser automático e rápido. E é a esta fase que apenas um em cada quatro brasileiros se encontram hoje.

Neurociência: o caminho certo

Morais defende uma base neurocientífica para a educação. Por meio da neurociência, enxerga-se, em tempo real, como o funcionamento da leitura e da escrita se dão em diferentes áreas do cérebro. Além disso, em casos de dificuldades de aprendizagem, se torna possível identificar que partes do cérebro estão funcionando de maneira anômala, o que contribui para a elaboração de programas de reeducação ou de treinamento.

O professor cita um estudo que apontou outra contribuição da neurociência para a alfabetização, comparando dois métodos, o fônico e o global (anticientífico). Sabe-se que, à medida em que as pessoas aprendem a ler palavras escritas, aumenta a ativação em uma região situada na junção dos lobos occipital e temporal do hemisfério esquerdo, explica o professor. A partir disso, ensinou-se dois grupos de participantes a ler palavras escritas com um “alfabeto” desconhecido deles. O primeiro aprendeu pelo método fônico, entendendo como as palavras eram formadas por letras, que representavam unidades fonológicas. O outro grupo foi submetido ao método global, memorizando palavras e seus significados. Este segundo grupo mostrou-se `muito bom e rápido` para reconhecer as palavras recém memorizadas, mas não poderiam ler outras palavras escritas com o novo alfabeto, habilidade que o primeiro grupo desenvolveu.

Mas o resultado mais interessante para Morais foi o fato de que o grupo “global” não mostrou nenhuma ativação na região do cérebro envolvida na leitura de palavras, diferentemente do grupo “fônico. `Isto confirma uma distinção essencial: pelo método fônico aprende-se uma habilidade a que se pode chamar genuinamente de leitura, porque ela permite ler qualquer palavra, e ela toma o seu lugar devido no cérebro entre as zonas de projeção visual dos estímulos e as partes do cérebro dedicadas ao processamento da linguagem em todos os seus aspectos (semântico, sintáxico, nomeação oral); e pelo método global não se aprende a ler, aprende-se tão somente a reconhecer as palavras que já se conhece, do mesmo modo que se reconhecem outras formas`.

Portanto, para ele, a neurociência, e não o construtivismo, deveria ser a aposta para o Brasil reverter o baixo índice de alfabetização plena e buscar uma resposta negativa para o questionamento que ele mesmo apresenta na abertura do capítulo do seu livro dedicado ao Brasil: `O Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravatura. Será também um dos últimos a abolir o analfabetismo?`.




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