Aulas de respeito e honestidade

Aulas de respeito e honestidade

Escola em SP usa aulas de respeito e honestidade para combater violência

Renata Mendonça - UOL Educação - 26/08/2014 - São Paulo, SP

 

Professora, o Victor disse que vai matar o Pedro e a Ana quando ele crescer`, denuncia Marina* à professora da sala da segunda série de uma escola localizada no meio de uma comunidade em Pirituba, zona oeste de São Paulo. A `ameaça de morte` pode até assustar de bate-pronto, mas é uma provocação comum de ser ouvida por ali. `Eu tava zoando`, defende-se o garoto de 8 anos.

Até três anos atrás, os gritos de `Vou te matar` eram, em geral, seguidos por brigas violentas, em que alunos saíam dando chutes, socos e pontapés uns nos outros. Às vezes, sobrava também para os professores – alguns deles relatam terem levado `unhada` dos estudantes, outros foram agredidos com chutes em momentos de irritação das crianças.

Mas desde que um grupo de psicólogas começou a trabalhar as emoções dos alunos, inserindo na grade curricular a matéria de `inteligência emocional` – que incluem aulas de respeito e até honestidade -, a realidade da rotina na escola mudou bastante, conforme relatam os próprios professores.

O tema da violência contra professores foi destacado por internautas em consultas nas redes sociais promovidas pelo #salasocial, o projeto da BBC Brasil que usa as redes para obter conteúdo original e promover uma maior interação com o público.

Leitores disseram que a educação deveria merecer mais atenção por parte dos candidatos a cargos públicos e educadores compartilharam denúncias de agressões que sofreram tanto em nossas páginas de Facebook, como Google+ e Twitter.

Reflexo de conflitos

Localizada em uma comunidade com altos índices de violência, a escola da zona oeste sofria o reflexo dos conflitos do lado de fora que iam parar dentro das salas de aula, com alunos agressivos e `sem limites`, conforme definiram os próprios professores à BBC Brasil.

`É uma realidade fora do que você possa imaginar vivendo na classe média. O comportamento das crianças me assustou bastante, a agitação que eles tinham, a falta de concentração`, relatou uma das professoras, que já teve turmas do ginásio e do primário na escola de Pirituba.

`A gente via muito desrespeito, falta de tolerância, o aluno não consegue enxergar os erros dele, mas aí aponta no outro tudo o que tem de ruim e isso gera muitas brigas, agressões verbais, físicas, tudo isso aqui era muito constante`, constatou.

Para combater essa `agressividade` dos alunos, as psicólogas que fazem parte do grupo Inteligência Emocional na Escola implementaram um projeto no colégio dando outro caminho – que não a violência – para os alunos extravasarem suas emoções.

`Esses alunos têm problemas assustadores, alguns sofrem abuso sexual do pai, outros apanham, eles vivem a violência dentro e fora de casa e eles precisam falar isso, é um jeito de extravasar. Mas isso normalmente acaba sendo pela violência. Se você dá outro caminho para eles extravasarem isso, eles entendem e param com a violência`, explicou Andreia Carelli, uma das psicólogas que fazem parte do projeto implementado na escola municipal de Pirituba.

O trabalho dela e das outras duas psicólogas que atualmente estão no projeto se dá em três tipos de ações: o ensino da inteligência emocional dentro da sala de aula, por meio de uma apostila que trata temas como respeito, honestidade, cidadania, diferenças, etc, conforme a faixa etária; o uso de dinâmicas (brincadeiras) que têm como objetivo trabalhar as emoções dos alunos e o autocontrole; e o atendimento individual para os casos mais graves, de alunos muito agressivos ou que passam por problemas pessoais mais complicados (abuso sexual, violência doméstica, drogas, etc).

Aulas

Pelos abraços e o calor demonstrado pelos alunos já no caminho para a sala, a reportagem constatou que o projeto parece ter boa receptividade. `Qual vai ser a atividade de hoje, tia?`, `O que a gente vai fazer hoje, prô?` – a agitação era inegável, mas os alunos da 4ª série pareciam empolgados para a `lição emocional` do dia que a professora-psicóloga iria passar.

Andreia começa a aula questionando os alunos: `O que tem que estar sempre presente quando a gente está em grupo?`. Eles citam educação, amizade, respeito. `Respeito. E quando a gente perde o respeito é fácil de recuperar?` – um grandioso `não` ecoa pela sala. E a professora segue a explicação da brincadeira. `Hoje vocês vão ser cuidadores do respeito. Nós vamos deixar o respeito aqui na lousa e nós temos que cuidar para ele não ir embora.`

A tarefa do dia era ouvir quatro histórias que a professora contaria e identificar, por meio de `carinhas` desenhadas em um papel (feliz, triste, assustado e com raiva) qual emoção cada uma delas despertava. Tudo isso sem perder os cuidados pelo `respeito` guardado na lousa.

Não demorou muito para os alunos se agitarem e começarem a falar ao mesmo tempo. A professora relembra: `Olha o respeito indo embora!`, e a aluna da primeira carteira endossa o pedido apontando para o colega: `É, Kauã, respeita, cala a..` e ela mesma percebe sua `quase` falta de respeito, colocando a mão na boca antes de completar a frase.

No meio da brincadeira e de algumas provocações direcionadas, outro incidente chamou a atenção da turma. Victor*, um garoto sentado no fundo da sala, levanta de repente e pega a cadeira na mão. Com um olhar transbordando de raiva, ele anda em direção ao colega em tom de ameaça. `Ele tá doido, ele quer matar ele` (sic), avisa um dos meninos à professora, que vai até Victor, abraça o garoto e, em tom sereno, faz as perguntas que eles já se acostumaram a ouvir nos últimos anos.

`Por que você queria jogar a cadeira nele? Você acha que ele ia ficar feliz se você fizesse isso? Você ia ficar feliz? Resolveria sua raiva? Lembra que quando a gente perde o respeito, a gente não ganha o respeito dos outros` – aos poucos, o Victor vai se acalmando e volta a sentar no seu lugar.

Ao fim da aula, quando a professora pergunta se a classe `cuidou bem do respeito`, o próprio Victor admite: `Vixe, o respeito quase foi embora`.

Andreia Carelli faz parte do projeto há um ano e meio e explica que o grande mérito dele é mudar a visão de mundo dos alunos. `Quando eles chegam aqui, a única referência deles de mundo é a violência, mas a gente conseguiu dar pra eles outra referência, como conversar. Se você não gosta de apanhar, por que você vai bater? E com o tempo eles vão mudando essas atitudes.`

Professores

As aulas de inteligência emocional são ministradas semanalmente de 1ª à 5ª série em quatro escolas do país, duas em São Paulo (uma municipal e a outra estadual) e duas em Manaus (as duas estaduais). O sucesso do projeto é percebido facilmente pelos professores.

`Ao longo desses dois anos é nítida a mudança, a convivência entre os alunos mudou demais. E a gente sabe que mudou o comportamento aqui dentro da escola, porque essa não é a realidade deles lá fora`, contou uma das professoras.

Os professores, inclusive, também passaram por um treinamento com as psicólogas para poderem aprimorar a relação que tinham com os alunos na escola. `No início, eles (professores) tinham bastante resistência, achavam que estávamos ali para criticar o trabalho que eles estavam fazendo e tal. Depois eles foram aceitando e sentindo o resultado das aulas`, explica Taíssa Lukjanenko, outra psicóloga que está no projeto desde o início.

Em geral vistos como vítimas, os professores muitas vezes também são `agentes da violência` pelo modo como tratam os alunos, conforme pontuou Taíssa. `Aquela violência nunca é só do aluno. Ela vem do meio que ele vive, da forma como o professor o aborda, mas nunca é só dele.`

Ela diz que o autoritarismo de alguns professores assim como a adoção de medidas extremas como a expulsão de sala em casos pequenos de indisciplina – um assovio durante a aula, por exemplo – podem contribuir para um ambiente violento na escola, além de prejudicar a relação professor-aluno. `Essa relação é muito importante, o respeito vem daí`.

De acordo com os números do grupo Inteligência Emocional na Escola, 86% dos professores que dão aula nas escolas que participam do projeto consideram que a disciplina dos alunos melhorou e 89% acreditam que a relação com os alunos também deu um salto após a aplicação das aulas.

Além do projeto com as psicólogas, a escola em Pirituba também aposta em programas extra-curriculares – banda escolar, mostra cultural, etc. – e na integração com a comunidade – a escola é aberta no fim de semana para atividades da comunidade de Pirituba – para combater a violência.

*Os nomes usados são fictícios




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