Educação e crescimento

Educação e crescimento

Especial Fóruns Estadão Brasil 2018 - Educação

Para especialistas, Educação tem de começar no pré-natal da mãe do futuro aluno, focar habilidades emocionais e usar melhor os recursos públicos

Fonte: O Estado de S. Paulo (SP)   22 de agosto de 2014

Melhora do ensino dita crescimento

Em debates da série Fóruns Estadão Brasil 2018 focados em educação, realizados na quarta-feira passada, profissionais e estudiosos sugeriram uma agenda para as autoridades que passa pela adoção de um currículo único para português e matemática, formação contínua de professores e, principalmente, foco nos alunos da pré-escola e do ensino fundamental da rede pública.

Um dos debatedores, o economista Gustavo Ioschpe, por exemplo, acredita que a maneira mais efetiva de elevar a qualidade da escola pública brasileira seja por meio do engajamento dos pais no cotidiano da aprendizagem dos filhos. “Não há segredo sobre as melhores práticas na escola eficiente”, afirma Ioschpe. “A questão tem caráter político. Na educação, ou se é eficiente ou popular.”

O consenso entre os especialistas: o ensino é a principal ferramenta para o crescimento econômico sustentável de longo prazo. E a formação de um adulto educado começa ainda na gravidez da mãe.

Na opinião de Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) e um dos convidados dos Fóruns, cabe ao governo federal tratar de macropolíticas, como oferecer as bases para o crescimento econômico, além da distribuição de renda e o acesso à saúde para que a educação possa florescer. Garantir a alfabetização plena dos alunos, a qualidade das creches e escolas também foram temas que surgiram nos debates, realizados na sede do Insper, em São Paulo. 

PNE é agenda importante de mudança

O despertar tardio para a importância da Educação faz com que o Brasil pague, ainda hoje, um preço muito alto. A avaliação é consenso entre especialistas da área e o próprio governo, para os quais o Plano Nacional de Educação (PNE), sancionado pela presidente Dilma Rousseff em junho, representa uma agenda importante no processo de mudança da realidade. Para o ministro da Educação, Henrique Paim, o PNE representa uma janela de oportunidade e um grande guia para o País mudar essa realidade, porque é “diferenciado”.

“Não é como os anteriores, que só tratavam de metas quantitativas. Esse trata não só de acesso, mas de qualidade e equidade, pontos importantes para que possamos avançar”, afirmou o ministro que participou na terça-feira de mais um evento da série Fóruns Estadão Brasil Competitivo, uma iniciativa do Grupo Estado com o apoio da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Os grandes desafios agora são fazer o alinhamento do PNE com os planos estaduais e municipais de Educação e, principalmente, garantir o financiamento das metas do plano.

O ministro avalia que a aprovação da destinação de royalties do petróleo para Educação garante uma importante fonte de financiamento. Apesar disso, tem dúvidas se será suficiente para cumprir a meta de destinar 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para a área. Antes mesmo do PNE, para o governo, avanços vêm minimizando o alto preço pago.

Entre eles, Paim considera três como chaves. O primeiro: a construção de um sistema estatístico nacional, segundo ele, um dos mais modernos do mundo,com cadastro atualizado anualmente. A avaliação é outro avanço. Mesmo em um país com diversidade grande e modelo de Educação descentralizado, o ministro destaca que hoje é possível medir o desempenho dos estudantes desde a Escola primária até a universidade. O terceiro avanço é a construção de um padrão de financiamento de gestão para a Educação brasileira. “Antes, o valor Aluno do Maranhão correspondia a 30% do valor Aluno do Paraná. Hoje, estamos em 80%”, exemplifica Paim.

Especialistas presentes ao evento defendem uma transformação do sistema de Ensino atual, de forma a adaptá-lo ao século 21, com mudança curricular, adaptação de novas linguagens e maior qualificação e valorização dos Professores. Em longo prazo, acreditam que isso trará resultados positivos para a economia, como o aumento da produtividade. ‘Perdeu o bonde’.

O superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, avalia que é preciso acelerar a velocidade de melhorias na Educação, porque o Brasil já “perdeu o bonde” da história da inserção em um cenário competitivo. Para Henriques, o PNE tem o potencial para revolucionar o Ensino, mas faz algumas ponderações com relação ao termo “revolução na Educação brasileira” atribuído ao PNE. Segundo ele, o conceito de revolução, neste caso, não é o de extraordinário, mas o de ordinário. “O PNE é importantíssimo, mas passa pelo ordinário, pelo simples, mesmo lidando com o complexo.”

A diretora executiva do movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, também reconhece a importância do PNE, que merece atenção de toda a sociedade, mas pondera que o plano só fará uma revolução na Educação brasileira se, de fato, as metas forem cumpridas no prazo de 10 anos, como estabelecido na proposta aprovada. Entre as metas, destaca como prioridade a universalização da Educação infantil, do Ensino fundamental e médio até 2016 e,principalmente, investir na qualidade do Ensino brasileiro, por meio da Alfabetização no tempo certo e a implantação de Escola em tempo integral. Para ela, é preciso também investir na qualidade dos Professores. “Não existe qualidade no Ensino sem Professores de qualidade”, afirmou, avaliando que esse é um debate mundial, no qual o Brasil tem condições de ser referência. Para isso, “não tem jeito, tem de pagar mais”.

A diretora defende que, para o País avançar de forma justa e sustentável, a equação necessária envolve conhecimento diversificado, complementar e coordenado. Ela lembra que é preciso mudar a estrutura e o modelo da Escola atual que, na sua avaliação, estão atrasados e divergentes da sociedade complexa atual.

Segundo Priscila, a estrutura da Escola atual é do século 19, marcada por um currículo inchado, pouco definido e pouco transparente, o que tem desmotivado os Alunos. “Os Alunos são do século 21 e vivem em uma sociedade muito mais complexa do que o modelo que vigora”, afirmou. Diante disso, ela lembra que o modelo de Escola vigente tem respondido muito pouco à complexidade do mercado de trabalho atual. “Temos de ter coragem para mudar, para quebrar as estruturas.” O “preço alto” pago atualmente pelo despertar tardio na área de Educação faz com que o governo tenha de “trocar o pneu com o carro andando”.

PRESTE ATENÇÃO

1. Professores. Com uma base nacional comum no sistema educacional brasileiro, pode-se partir para outra importante discussão que é a formação inicial dos Professores. O PNE tem um ano para que os currículos de licenciatura sejam reavaliados. A formação continuada também é crucial, além da discussão recorrente e com relação à remuneração.

2. Acesso à Educação. Existem problemas que devem ser resolvidos tanto na Educação infantil quanto no Ensino médio. A raiz da desigualdade brasileira está na Educação infantil e para ela o PNE busca tratamento mais adequado. Da mesma forma com o Ensino médio – um grande gargalo –, não se pode admitir um nível de reprovação de 30% no primeiro ano.

3. Ensino profissional. O Brasil tem de mudar em relação à formação profissional. Hoje, apenas 8% dos estudantes do Ensino médio se dedicam a uma formação profissional. Nos países desenvolvidos, essa parcela é de 50%. É preciso oferecer essa opção. Para isso, o governo tem o Pronatec, mas temos de avançar mais para que o Ensino médio tenha esse eixo com o trabalho

Ensino médio piora na rede pública de São Paulo Os resultados da última edição do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), que ocorre anualmente em toda a rede, divulgados esta semana, mostram a fragilidade do sistema educacional do Brasil. O desempenho em Português e Matemática dos Alunos do Ensino médio da rede estadual de São Paulo piorou em 2013 e é o mais baixo desde 2008, segundo avaliação do governo do Estado. No fim do Ensino fundamental (9º ano), a nota média caiu em Língua Portuguesa e teve leve alta em Matemática – mas mostrou estagnação nos últimos seis resultados. O 5º ano do Ensino fundamental, fim do primeiro ciclo, manteve melhora.

Os dados do Serasp mostram problemas no ciclo final do Ensino fundamental e no Ensino médio. Ambas as etapas estão desde 2008 no patamar baixo de proficiência – a escala ainda demarca o abaixo do básico, adequado e avançado. No Ensino médio, a nota média passou de 268,4 para 262,7 em Língua Portuguesa, quando o adequado é acima de 300. Em Matemática, passou de 270,4 para 268,7, considera-se 350 adequado.

Mercado é carente de educação profissionalizante

O Ensino técnico e profissional no Brasil recebe incentivos para crescer, mas ainda não consegue atender com precisão as necessidades do setor produtivo. Para além da constatação de que falta mão de obra qualificada, um sistema de Educação que inclua nos currículos temas como inovação e empreendedorismo é necessário, concluíram os participantes do fórum da série Estadão Brasil Competitivo, realizado esta semana.

O governo federal comemora a marca de quase 8 milhões de matrículas no Ensino técnico por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) desde a sua criação em 2011, mas reconhece que, para além do número de estudantes, há muitos desafios. O principal deles é a evasão: os Alunos que se matriculam nos cursos técnicos tendem a deixar a sala de aula antes de conseguir o diploma.

O secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, Aléssio Trindade de Barros, afirmou que o governo vem buscando instituições de Ensino qualificadas para ofertar os cursos e espera que os currículos sejam alinhados cada vez mais com as demandas do mercado de trabalho.

Se o estudante entende que vai conseguir um emprego melhor quando se formar, a chance de evasão é menor, avalia o secretário. Para o ministro da Educação, Henrique Paim, presente ao evento, os números de evasão no Pronatec ainda “são favoráveis” e considerou o desempenho do programa superior ao de outras iniciativas anteriores voltadas para o Ensino técnico.

Embora veja o Pronatec como um importante avanço, o diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Rafael Lucchesi, considerou que a penetração do Ensino profissional no Brasil é baixa. Dado apresentado pelo Senai dá conta de que no Brasil apenas 6% dos jovens de até 25 anos escolhem cursos dessa modalidade, enquanto em países desenvolvidos a média é muito superior. Na França, são 58% e na Finlândia, 50%. Currículos.

Já o Professor da faculdade de Economia da Universidade de Brasília, Jorge Arbache, considera necessária uma revisão dos currículos e ressaltou a importância de temas como inovação e empreendedorismo. Para ele, as empresas brasileiras precisam ser mais competitivas, mas isso hoje não se resolve apenas produzindo itens de baixo custo, como já ocorreu coma China. “Até mesmo a China vem deixando de ser produtora em massa para ser produtora de bens de maior valor agregado”, comentou.

A meta do Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em junho, é triplicar as matrículas da Educação profissional técnica de nível médio, saindo do patamar de 1,4 milhão de matrículas em 2013 para 4,3 milhões em 2024. “Conseguimos provar para o País que é possível dar escala ao Ensino técnico e agora temos de avançar mais”, comentou o ministro Paim. Produtividade.Para os participantes do fórum, a evolução da Educação profissional é importante para melhorar os índices de produtividade do trabalho no Brasil. “Temos hoje níveis de produtividade muito baixos na comparação com economias em desenvolvimento”, disse Arbache. Lucchesi ainda considerou que há uma questão estrutural de falta de mão de obra qualificada para a indústria no Brasil e que o problema volta a aparecer sempre que a economia se aquece. “Não se trata de ‘apagão’, é uma questão que precisa ser estratégica”, declarou. “Se queremos construir a sociedade do futuro nos baseando em Educação, temos de avançar muito em Ensino técnico e profissionalizante. ”

Para Lucchesi, o sistema educacional brasileiro não prepara o jovem para o mercado de trabalho. “É o maior plano de exclusão social.” O diretor-geral do Senai lembrou que a produtividade do trabalhador brasileiro está estagnada há mais de 10 anos. “Precisamos de uma Escola que edifique o futuro.” Ele lembrou que nos anos 80, a produtividade do brasileiro equivalia a 30 % da do americano. Hoje essa porcentagem caiu para 20%.

PARA LEMBRAR Programa direcionado O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) foi criado pelo governo federal, em 2011, com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de Educação profissional e tecnológica. Em junho deste ano, a presidente Dilma Rousseff anunciou a segunda etapa do programa com uma meta de 12 milhões de vagas, distribuídas em 220 cursos técnicos e em 646 cursos de qualificação, a ser cumprida de 2015 até 2018. O programa é considerado pelo Palácio do Planalto uma das principais plataformas da campanha de reeleição da presidente. O foco do Pronatec é qualificar mão de obra para o mercado de trabalho, aumentando o número de vagas de Educação profissional oferecidas em institutos federais, Escolas técnicas vinculadas a universidades federais, redes estaduais e o Sistema S. 

Ensino técnico tem de crescer 20% ao ano

Para alcançar a metade triplicar as matrículas da Educação profissional técnica de nível médio, contida no Plano Nacional de Educação (PNE), o País deverá realizar um esforço considerável. Até chegar às esperadas 4,3 milhões de matrículas em dez anos, o número de Alunos estudando nessa modalidade deverá crescer 20% ao ano – o que representa o dobro do ritmo do registrado pelo País nos últimos cinco anos.

A necessidade por formados em Educação profissional expõe uma histórica distância entre a Escola e o mundo trabalho. Apenas 8% dos estudantes do Ensino médio fazem Educação profissional. O Censo da Educação básica de 2013, dado mais recente, mostra que o Brasil tem 1,4 milhão de pessoas matriculadas em cursos de Educação profissional. Entretanto, mais da metade são em cursos subsequentes,realizados após o estudante ter acabado o Ensino médio. O que representa indivíduos que já estão no mercado de trabalho.

É o caso do motorista Johnny Pereira Lima, de 29 anos, que viu no curso de automação industrial uma oportunidade de qualificação profissional e reposicionamento no mercado. Pai solteiro de um menino de cinco anos, quis voltar a estudar para poder oferecer melhor qualidade de vida ao filho. “O que me levou para a frente é saber que tenho de dar futuro para a minha criança”, contou ele, que estuda na Etec São Paulo, zona norte, ligada ao Centro Paula Souza, do governo estadual de São Paulo. Lima acredita que o setor tem grande oferta de emprego – em indústrias petroquímicas, automobilísticas, alimentícias e de energia, além de prestação de serviços em empresas. “Já trabalhei com instalações elétricas residenciais, mas o mercado pede uma coisa a mais”, diz ele.

Para Lima, cursos técnicos exigem muita dedicação por causa da grande carga horária prática – boa parte do curso é feita em laboratório. A parte teórica é quase sempre exigida como atividade a ser feita em casa. “No técnico, tem de saber o que está fazendo. É a melhor opção para já começar a trabalhar”, diz.

Oportunidades.A Professora Rosangela Hollauer, do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) do Rio, afirma que a meta do PNE sobre Educação profissional tem um caráter também “inclusivo”. “São objetivos pensando também em quem não teve oportunidades nem um Ensino básico de qualidade”, diz ela, especialista em Ensino profissional. “E as empresas e indústrias têm carência por esses profissionais.”

Segundo Aléssio Trindade de Barros, secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (MEC), a meta do plano nacional é “ousada, mas necessária”. “Nos últimos cinco anos, a demanda de Educação profissional cresceu muito no País. E a oferta está se estruturando”, disse ele. O secretário lembra da expansão da rede federal de institutos técnicos, iniciada em 2005. O número de Escolas passou de 140 para 562. “Houve expansão para interior e periferia. Foi importante porque estruturou a oferta em muitos municípios que não tinham cursos.” A grande aposta do governo federal foi o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Lançado em 2011, o programa já atingiu cerca de 8 milhões de matrículas acumuladas desde então – sendo 30% (em torno de 2,4 milhões) no nível técnico médio. O restante é de qualificação.

Segundo o governo,o programa chegou a 4,2 mil municípios e tem orçamento de R$ 14 bilhões. O Pronatec integra a oferta nas redes pública e particular. “Quando a gente não tinha um programa federal de fomento forte, muitas vezes a Escola privada ofertava e não preenchia”, completa Barros. “Agora estamos aproveitando a capacidade instalada e houve expansão.”

Os números do Pronatec (parte dos quais ainda não estão refletidos no Censo) estão de acordo com diagnósticos realizados pelo setor produtivo. O Mapa do Trabalho Industrial 2012, elaborado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), mostra que o Brasil terá de formar 7,2 milhões de trabalhadores técnicos e de média qualificação para atuar em profissões industriais até o ano que vem. A expansão de matrículas na modalidade passa por outros entraves, como alta evasão, encaminhamento realdo Aluno ao emprego e, no caso da rede pública, falta de Professores. No ano passado, auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) nos institutos federais mostrou que 20% dos cargos de Professores estavam vagos.

Outro obstáculo é estrutural. Como as Escolas públicas das redes estaduais têm piores resultados em avaliações como o Exame Nacional do Ensino médio (Enem), muitos estudantes procuram as Escolas técnicas como forma de ter uma Educação formal melhor e ter mais chances para o vestibular. “A gente tem um porcentual grande de Alunos que não vai desenvolver o trabalho na área do curso, mas que procura o Cefet por causa do bom Ensino médio regular”, afirma Rosangela.

A estudante Ana Paula Pereira dos Santos, de 18 anos, iniciou em 2013 o curso técnico de enfermagem na Etec Parque da Juventude, do Centro Paula Souza, zona norte de São Paulo, mas seu objetivo é ser médica. “Nunca estudei nada na área da saúde. O curso técnico ajuda bastante. Temos a oportunidade de praticar a teoria nos hospitais”, diz ela, que faz cursinho pré-vestibular paralelamente.

Crescimento.O Centro Paula Souza, autarquia vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do governo estadual, tem mantido um forte ritmo de expansão de vagas. O número de matrículas no Ensino médico técnico saltou de 62.849 Alunos em 2004 para 178.800 em 2014, um aumento de 184%. 

‘Falta qualidade nos cursos de engenharia’

Profissionais que acabaram de se formar não têm habilidades consideradas essenciais para a inovação

Estudioso do Ensino superior e da interação com o mercado de trabalho, o físico e Professor Roberto Lobo defende que o Brasil ainda precisa de estímulos para os jovens verem a formação profissional como uma excelente oportunidade para o mercado de trabalho. Lobo, que é ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) e assina um blog no portal do Estadão, afirma que há vagas no setor que não são preenchidas. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A estratégia do PNE em relação a aumento no número de matrículas, com qualidade, é difícil de ser alcançada? O setor privado tem se concentrado mais na formação profissional subsequente, isto é, a formação para trabalhadores já no mercado, que possuem Ensino médio. Há uma grande variedade nesse segmento, sendo os melhores os que vêm do sistema S, com reconhecimento internacional, mas há também muitos cursos sem a qualidade desejada. Preocupam, em especial, alguns cursos à distância. Já a Educação profissional concomitante está centrada predominantemente em instituições públicas. É um Ensino mais caro do que o Ensino médio tradicional, chegando a custar cerca de US$ 7 mil anuais por estudante nos países onde a Educação profissional é mais valorizada, que por sinal são os países com maior eficiência na produção de inovações. O Ensino público profissionalizante, por ter corretamente contratado bons Professores e ser exigente, tem sido procurado por estudantes que não pretendem seguir carreira técnica, mas querem ingressar nas universidades públicas pelo Enem. Eles ocupam vagas de quem realmente deseja seguir carreiras técnicas, mas que não estão tão bem preparados, por terem estudado, geralmente, em Escolas públicas.

Muito se falou sobre déficit de engenheiros, mas o número de matrículas de engenharia já é o segundo maior do País, só atrás de administração. Há um novo panorama? O crescimento da engenharia se deveu, provavelmente, ao período de crescimento do PIB, quando se dizia que os engenheiros seriam muito procurados e que havia possibilidade de déficit de engenheiros para atender aos investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Essa perspectiva não se realizou. É preciso observar o que acontecerá nos próximos anos e também quantos desses estudantes efetivamente se formarão, uma vez que o número cresceu muito no setor privado, que tem altas taxas de evasão na engenharia.

Há déficit de Professores nas Escolas técnicas. É um reflexo disso? Tanto de Professores quanto de laboratórios. Seria fundamental que houvesse uma ligação maior com as empresas para que o estudante saísse com condições de ingressar rapidamente no mercado de trabalho. Tanto na Europa quanto nos EUA essa ligação vem sendo permanentemente ampliada.

Os engenheiros têm tido uma formação adequada às necessidades das empresas? Um estudo feito pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) aponta que, em geral, há um déficit na qualidade dos engenheiros formados no Brasil. Além disso, nota-se que, as principais habilidades necessárias aos engenheiros recém formados são justamente as consideradas essenciais aos profissionais que contribuem com a inovação. Atributos como habilidade de trabalhar em grupo, aptidão para desenvolver soluções originais e criativas, sólido conhecimento nas áreas básica, domínio em inglês, entre outras. Uma maior intersecção entre as habilidades pouco desenvolvidas nos engenheiros brasileiros e os atributos que são considerados como relevantes contribuirá com a geração de conhecimento, inovação e consequentemente ganho de competitividade nas empresas.

Sempre recorremos a exemplos internacionais quando falamos de Ensino técnico. Eles são de fato um caminho a seguir? Acho que não temos peculiaridades. Temos um país de pouca inovação, que se baseia na produção de commodities, com baixa competitividade em alta tecnologia. Mesmo assim, a área de formação técnica está crescendo e a demanda prevista, mesmo com a desaceleração do crescimento, vai exigir a expansão do Ensino profissionalizante.

O PNE fala também em expansão dos cursos superiores de tecnologia, mas não descreve metas. Essa modalidade deveria ter maior atenção? Essa modalidade tem tido um crescente reconhecimento e, segundo o Confea (Conselho Federal de Engenharia e Agronomia), há cerca de um tecnólogo empregado em nossas empresas para cada dois engenheiros. Cerca de 7% dos brasileiros entre 15 e 19 anos estavam em 2011 em cursos de Educação profissional. Na Alemanha, esse índice é de 53%. Nossos jovens precisam ver a formação profissional como uma excelente oportunidade para o mercado de trabalho. Há muitas vagas não preenchidas e a evasão é alta. Seria necessário criar mais estímulos para essa formação.

O jovem tem preferido a engenharia a um curso tecnológico. Há preconceito com essa modalidade? Os salários são menores? O salário base é 80% do dos engenheiros, o que não é um desastre. O pouco reconhecimento social desses cursos é um problema. Os cursos superiores de tecnologia têm o propósito de oferecer uma formação aos estudantes que desejem aperfeiçoar-se profissionalmente, buscando uma formação prática que permita sua inserção rápida no mercado de trabalho, tanto em função da duração do curso, quanto do tipo de formação. Esses estudantes normalmente têm uma vocação para estudos mais práticos do que teóricos. No Brasil, o saber teórico é considerado o verdadeiro saber e o trabalho intelectual é considerado superior ao trabalho mais prático e operacional. Isso não ocorre na América do Norte ou nos países do norte da Europa, onde todo trabalho é igualmente valorizado. 

Estudo faz menos diferença no salário

O diferencial salarial por anos de estudo está em queda no Brasil. Os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) – compilados pelo Centro de Políticas Públicas do Insper – mostram que, nos últimos anos, o salário cresceu mais para os menos Escolarizados. O detalhamento dos dados da Pnad revela que o salário médio do brasileiro com zero a quatro anos de estudo aumentou 58% de 1992 a 2012. Em 20 anos, passou de R$ 428,73 para R$ 678,96. Nesse período, a remuneração média dos que têm 15 anos e 16 anos de estudo cresceu apenas 2%, de R$ 3.536,92 para R$ 3.602,98.

“Atualmente,o único diferencial salarial que está avançando de maneira mais forte é o da pós graduação (ou equivalente)”, afirma Naercio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper. Na faixa dos brasileiros com 17 e 18 anos de estudo, o aumento do salário médio foi de 31%,passou de R$ 4.491,82 para 5.878,91 entre 1992 e 2012. “As pessoas estão partindo para esse caminho como objetivo de se diferenciarem”, afirma.

Da estatística para a vida real, a pós-graduação foi fundamental para a Professora Maria Eugênia Bonjovani Freitas. Ela se tornou diretora depois de fazer dois cursos de pós-graduação, em Educação ambiental e em Educação especial.“Coma aquisição de novos conhecimentos pude ampliar minha visão educacional e aumentar meu orçamento”, afirma. Explicação.O forte aumento do salário dos pós-graduados pode ser explicado pela busca – cada vez mais necessária – das economias por mão de obra ultraespecializada num mundo competitivo. Já o aumento mais forte do salário para os brasileiros menos Escolarizados ocorreu por vários motivos. O primeiro e mais importante é o aumento do tempo do brasileiro na Escola.

O número de brasileiros que cursam Ensino superior cresceu. Como consequência, o aumento da quantidade de profissionais com diploma universitário fez o diferencial cair. “Apenas alguns diferenciais estão crescendo no Ensino superior, como o de medicina e de engenharia”, afirma Menezes. Os trabalhadores menos qualificados ainda foram beneficiados pela formalização do mercado de trabalho e aumento real do salário mínimo. A abertura dos postos de trabalho nos últimos anos também privilegiou os brasileiros sem tanta Escolaridade.

No rastro do aumento do consumo,houve uma expansão maior do emprego nos setores de serviços pessoais e comércio, que não exigem profissionais com excessivos conhecimentos técnicos. “A nova classe média, impulsionada pelo aumento real do salário mínimo,começou a consumir mais. E os setores intensivos em mão de obra não qualificada, como comércio e serviços pessoais, passaram a empregar mais gente”, afirma o Professor do Insper.

Segundo Menezes, o processo de redução do diferencial salarial pelo nível de Educação é natural e ocorre em todos países. “Historicamente isso sempre acontece. No Brasil, demorou para ocorrer porque o nosso processo educacional foi muito lento.” Ele diz que, no futuro, a tendência é que não existam mais brasileiros com zero a quatro anos de Escolaridade, o que obviamente implicaria no fim de qualquer diferencial entre os menos Escolarizados e os trabalhadores com Ensino fundamental.

Desigualdade.O avanço do nível educacional é fundamental para reduzir a desigualdade social. Na avaliação do economista-chefe da Opus Investimentos e Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio,José Marcio Camargo, o Brasil tem dois grandes desafios nessa área: é preciso diminuir a desigualdade na quantidade de anos de estudo entre a população e a diferença na qualidade entre Ensino público e privado. “O sistema educacional brasileiro tem uma enorme diferença na qualidade das Escolas. As instituições privadas do Ensino fundamental e médio são, em média, melhores do que as públicas”, afirmou o economista.

O papel da educação no desenvolvimento nacional

OZIRES SILVA - PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO GRUPO ÂNIMA EDUCAÇÃO E CULTURA 

Sabemos que o desenvolvimento do Brasil passa obrigatoriamente pela Educação. Países bem-sucedidos no mundo global, inteligente e competitivo da atualidade, mostram-nos claramente que precisamos de uma melhoria essencial dos nossos processos educacionais, sob uma superlativa gestão, eficiente e produtiva. Os resultados conseguidos pelo nosso País, no contexto mundial da produção de alto valor, mostram resultados críticos, em todos os aspectos. Assim, sem a preparação de uma população competente, nada será conseguido e, numa extrapolação direta do futuro, podemos antecipar que viveremos períodos difíceis, caso nada seja feito.

O governo federal, após a proposta de um novo Plano Nacional de Educação (PNE), ao Congresso Nacional em 2010, acaba de sancionar a nova lei, com metas estabelecidas para a próxima década. Muitos fizeram críticas manifestando que o plano esteja limitado a apenas a declarações de intenções. Na nossa visão, poderíamos acentuar, nada de errado. Estamos falando de um Plano Nacional que, através da regulamentação a ser executada pelo Executivo, precisa ser adaptado a um país continental,pois ainda temos muito o que fazer para conseguir superar as deficiências necessárias. Aí é que temos de nos centrar daqui para diante. Chega de críticas e exemplos de fora.

Temos um enorme trabalho a fazer para conseguir a real prioridade que a Educação brasileira há décadas precisa. Temos de conseguir dos responsáveis governamentais pela Educação, em todos os níveis,sob a autoridade do Ministério da Educação (MEC),que se aproximem da sociedade como estabelece o texto constitucional no seu Artigo 205. Temos de mudar a atitude das autoridades e fazer com que elas sejam as catalisadoras do sucesso dos empreendedores. Que no lugar de um ministério produtor de regras e de punições, possamos ter mais um lutador para o sucesso daqueles que investem na preparação da nação para o futuro. Há um elenco de mudanças que precisam ser implementadas, gerado por um passado que precisa ser mudado. É necessário levar em conta que a maioria dos graduandos, nos níveis técnicos e superiores – infelizmente ainda insuficientes para nossos objetivos de progresso e desenvolvimento –, estão sendo preparados pelo setor privado.

E que o governo precisa dos recursos financeiros e humanos das universidades, faculdades e Escolas de todo o País, sem exceções, no grande esforço nacional para construir o Brasil que os brasileiros desejam. Há claras necessidades de que o Ensino integral seja obrigatório nas Escolas públicas e particulares. Não é possível acreditar que, no século 21, quando todos sabemos o quanto a Educação é importante, que os Alunos das Escolas privadas tenham suas mensalidades tributadas, enquanto os das Escolas oficiais nada pagam. Criamos ônus para a população mais pobre ter acesso às melhores Escolas disponíveis. Temos de reduzir as restrições ao Ensino para permitir, entre outras necessidades,criar mecanismos para rodízios entre os Docentes para que os melhores não fiquem presos em uma única instituição.

A carreira de Professor precisa ser valorizada e oferecer salários atrativos, reconhecendo que se tornar Professor é um processo extremamente árduo. Eles precisam ser sempre retreinados para garantir que estão atualizados na matéria em que lecionam. Temos de reduzir as restrições regulamentares para assegurar um funcionamento moderno e eficiente do Ensino e da aprendizagem no País. Ou sejam, menos regras e mais incentivos! Como nos países de sucesso, tanto nos tradicionais como nos novos emergentes, o Ensino superior tem papel significativo na sociedade e no sistema nacional de inovação. As Escolas precisam se conectar coma cultura dos locais onde vivem, de modo a satisfazer a demanda do profissional necessário.

A oferta tem de abrigar todos os casos, pois não há por que perder um cidadão que seja, pois ele pode ser um talento que jamais pôde ser reconhecido. Nossas Escolas necessitam alcançar bons resultados nas avaliações independentemente da classe social ou da origem de seus Alunos. Programas inovadores foram criados pelo governo e começaram a funcionar, mas após as ideias iniciais, começam a receber emendas restritivas, reduzindo seu acesso e tomando as oportunidades de Alunos que passam do seu limite de idade para voltar aos bancos Escolares. Em 2011, foi criado, no Brasil, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, através da Lei n. 12.513,de 26/10/2011, como objetivo de ampliar a oferta de cursos de Educação profissional. O programa já registrou 7,6 milhões de matrículas em todo o País, até julho de2 014.No entanto, faz se necessário avaliar a inserção desses egressos no mercado de trabalho, o que de fato se tem feito para aproximar o estudante dos setores da economia que tanto questionam pela ausência de mão de obra qualificada.

Existem grandes lacunas entre o jovem ou trabalhador em busca de uma oportunidade no mercado de trabalho e empresas que já questionam a ausência de profissionais capacitados. Durante a etapa do planejamento da oferta dos cursos, as instituições de Ensino precisam estar munidas de informações,diagnósticos detalhados referentes aos diversos arranjos produtivos, novos investimentos em desenvolvimento local. E que as transformações requeridas pelas Escolas não sejam limitadas pelas restrições. As empresas precisam confiar que o sistema educacional esteja equipado para oferecer técnicos preparados para atender à demanda na sua região. Esse é um trabalho que precisa envolver as instituições de Ensino e as equipes das administrações públicas e privadas, voltadas à Educação.

É preciso ir além disso, através de um trabalho mais profundo, criar programas com regras que possam contemplar a interiorização e a formação em ocupações que estão escassas no Brasil. Ou seja,antecipar as necessidades. A lista é longa e é possível responder a ela. Para tanto, como colocado,precisamos desenvolver uma nova atitude entre governantes e governados, todos cooperando para que os pais reconheçam e sejam estimulados quanto a importância de ter um filho qualificado e mais apto a responder pelas necessidades da sociedade produtiva. Para tanto, temos de fazer com que ir à Escola se torne uma atividade atrativa para a criança e o jovem. Tudo isso pode parecer um sonho,mas não é impossível mudar. Os exemplos atuais da Coreia do Sul e da China, entre outros mais antigos, não nos deixam argumentar que mudanças não eram realizáveis. E foram.

Educação e crescimento

No atual cenário da economia brasileira, em que a falta de competitividade é tema recorrente, a Educação é considerada premissa para o crescimento. Especialistas reunidos em mais um evento da série Fóruns Estadão Competitivo, uma iniciativa do Grupo Estado, discutiram o tema nesta semana e avaliam que o Brasil “perdeu o bonde” da história nesse capítulo. Agora é preciso “trocar o pneu com o carro andando”. A aprovação em junho do Plano Nacional de Educação (PNE), nesse sentido, foi apontada como importantíssima no processo de mudança dessa realidade. Entre as 20 metas do plano, duas são exclusivamente voltadas à Educação profissional. A necessidade que a economia tem por jovens com formação profissionalizante expõe uma histórica distância entre a Escola e o mundo do trabalho. Apenas 8% dos estudantes do Ensino médio fazem Educação profissional – a meta do PNE é triplicar essa fatia em 10 anos. Para o ministro da Educação, Henrique Paim, presente no evento, o Plano Nacional de Educação é “uma janela de oportunidade” e não há espaço para erros.

 




ONLINE
11