O primeiro "Nobel" do Brasil

O primeiro "Nobel" do Brasil

Carioca de 35 anos, Artur Avila recebe a Medalha Fields, o prêmio máximo da matemática

Fonte: O Globo (RJ)   13 de agosto de 2014


Um carioca de 35 anos se tornou o primeiro brasileiro a receber a prestigiada Medalha Fields, considerada o prêmio Nobel da matemática. Artur Avila foi anunciado como merecedor da láurea máxima da União Internacional de Matemática (IMU, na sigla em inglês) durante o Congresso Internacional de Matemáticos, ontem à tarde (horário de Brasília), em Seul, na Coreia do Sul, onde o evento acontece. A medalha é entregue a cada quatro anos, a no mínimo dois e no máximo quatro profissionais com menos de 40 anos cujos trabalhos um comitê secreto julga fundamentais ao avanço da matemática. Este ano a Fields foi entregue também ao canadense Manjul Bhargava, ao austríaco Martin Hairer e à iraniana Maryam Mirzakhani.

"Artur Avila fez notáveis contribuições no campo dos sistemas dinâmicos, análise e outras áreas, em muitos casos provando resultados decisivos que resolveram problemas há muito tempo em aberto. Quase todo seu trabalho foi feito por meio de colaborações com cerca de 30 matemáticos do mundo. Para estas colaborações, Avila traz um formidável poder técnico, a engenhosidade e tenacidade de um mestre em resolver problemas e um profundo senso para questões profundas e significativas. Os feitos de Avila são muitos e abrangem uma ampla gama de tópicos. Com sua combinação de tremendo poder analítico e profunda intuição sobre sistemas dinâmicos, Artur Avila certamente continuará um líder na matemática ainda por muitos anos", escreveu o comitê na justificativa para o prêmio.

Ex-Aluno de duas Escolas tradicionais do Rio, os colégios Santo Agostinho e São Bento, o calculista coleciona medalhas desde os 13 anos, quando ganhou um bronze na Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM) de 1992. De lá até receber a Fields, Avila conquistou ouros em outras edições da olimpíada e concluiu seu doutorado no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), em 2001, aos 21 anos. Hoje, divide seu tempo entre o Impa, onde é pesquisador extraordinário, e o trabalho de diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França, em Paris.

"Eu sentia isso como uma pressão"

À diferença do Nobel, cujos vencedores só sabem da premiação após o anúncio oficial na Suécia, os ganhadores da Medalha Fields são informados previamente. O carioca, que já havia sido cogitado para o prêmio em 2010, recebeu a notícia há dois meses, com um certo alívio.

- Há vários anos existia uma expectativa nessa direção, e realmente sentia isso como uma pressão sobre mim, também pela sua importância para o Brasil, que de maneira um pouco estranha nunca teve prêmios internacionais desse porte, como um Nobel. Assim, ficava um pouco pesado. A notícia da medalha teve, para mim, um primeiro efeito de alívio - conta Avila.

O matemático trabalha com a área de sistemas dinâmicos, conhecida como a teoria do caos, que busca descrever e prever como evoluem todos os sistemas que mudam com o tempo. A formação de uma nuvem, por exemplo, desenvolve-se com base em um sem-número de fatores. Trata-se de um campo da mais alta complexidade. No Impa, a notícia sobre o prêmio foi recebida com muita festa:

- Essa medalha para o Artur coroa o trabalho individual dele, mas, ao mesmo tempo, é coerente com a situação da matemática brasileira - pondera César Camacho, diretor-geral do Impa. - Não é como um salto quântico. Um feito excepcional, mas não fora da curva. É resultado da construção do Impa como centro de excelência mundial nos últimos 62 anos.

Avila e os outros três ganhadores deste ano se juntam às outras 52 pessoas laureadas desde a primeira Medalha Fields, em 1936. O prêmio foi criado pelo canadense John Charles Fields, para "reparar" o erro do sueco Alfred Nobels, que, ao elaborar o Prêmio Nobel, em 1895, desconsiderou a matemática como ciência importante. Hoje, os ganhadores da Medalha Fields recebem 15 mil dólares canadenses (R$ 31 mil). Valor bem menor do que as 8 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 2,7 milhões) pagos aos premiados com o Nobel. Nas 17 edições anteriores da Fields, os americanos foram os mais premiados (12 vezes). A medalha de Avila é a primeira de um matemático da América Latina.

Orientador do pesquisador em seu doutorado no Impa, Welington de Melo afirma que o trabalho dele já o credenciava à medalha no congresso de 2010, na cidade indiana de Hyderabad (a próxima edição, aliás, acontece no Rio, em 2018).
- Ele só não ganhou porque tinha outra chance. Os trabalhos que tinha feito já eram mais que suficientes - avalia. - O Brasil nunca teve um ganhador do Nobel antes, e a Fields é até mais difícil. Espero que o Artur sirva como estímulo para outros jovens se esforçarem para continuarem a levar a matemática brasileira e mundial a um altíssimo nível.

Ex-Professor e hoje colaborador de Avila, Marcelo Viana, pesquisador do Impa e presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, diz que um dos talentos dele é a capacidade de transitar por muitas áreas da matemática avançada.
- Artur pegou a bagagem que acumulou no Impa e foi além. Ele é muito produtivo, tem grande capacidade de concentração e não faz nada que não seja profundo - elogia.

Presidente da IMU e primeira mulher nesse posto, a belga Ingrid Daubechies vê em Avila versatilidade e espírito colaborativo.

- O campo de sistemas dinâmicos se conecta com diversas dificuldades técnicas e questões em aberto, muitas das quais ele derrubou ou desbloqueou - explica ela. - Artur surpreendeu pela abrangência de suas colaborações. Antes, era frequente que os mais fortes resultados fossem obtidos por matemáticos isoladamente ou em colaboração com uma pessoa, mas isso está mudando. Artur tem essa característica colaborativa.

Ingrid também vê na escolha de Avila um reconhecimento ao Impa.

- O Impa tem sido um forte centro de produção de pesquisas. É um reconhecimento de que o Brasil chegou ao mais alto nível possível - diz. - É maravilhoso ver a matemática se desenvolver em locais fora dos centros tradicionais, como Europa e América do Norte.



ARTUR AVILA
‘Muitas pessoas nem sabem que matemático é profissão’


Primeiro brasileiro a ganhar Medalha Fields gosta de ir à praia, beber açaí e não lê livros: ‘Quando quer o entrar num assunto, vou conversar’

Um talento único, cujo trabalho está ajudando a expandir as fronteiras da matemática, o que de pouco valeria se não fosse conjugado com boas doses de dedicação. Assim ex-Professores e colegas descrevem Artur Avila, carioca que hoje vive entre Rio e Paris. Ele é pesquisador do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e diretor do Centro Nacional de Pesquisas Científicas da França. Carioca de 35 anos, o matemático hoje tem até nacionalidade francesa, mas, caminhando às margens do Rio Sena enquanto reflete sobre algum problema, morre de saudade de ir à praia e de beber açaí. Há dois meses, Avila recebeu um e-mail da União Internacional de Matemática (IMU , na sigla em inglês) comunicando que ele receberia a Medalha Fields, principal prêmio da área no mundo, considerado o “Nobel da matemática” .

— É o prêmio mais importante. Você passa a ser conhecido pelos não matemáticos. Para o Brasil, é simbolicamente importante. Um certificado de que está sendo feita ciência de alto nível no país. E isso é um trabalho de décadas — comenta ele, acomodado na poltrona de uma sala da Universidade de Jussieu, em Paris, após dar conselhos, no quadro-negro, durante uma hora, para um estudante americano de pós-doutorado em seus problemas matemáticos.

Vestindo jeans e camiseta branca, Ávila sorve em intervalos irregulares goles de leite que toma direto do bico da garrafa de plástico de um litro, da qual não se separa. Um ardil para compensar refeições ignoradas, consequência de sua tumultuada agenda dos últimos dias.Para ele, a Medalha Fields e o fato de o próximo Congresso Internacional de Matemática ocorrer no Brasil, em 2018, é “uma janela de oportunidade” para se pensar em algo mais amplo no avanço da ciência no país, de for ma gradual, “sem mágica” . O contexto também poderá confortar vocações já despertas. Matem ático pode ser uma boa profissão, garante o carioca:

— Muitas pessoas nem sabem que pode ser uma profissão, e bem-sucedida. É uma carreira competitiva, precisa ter talento especial em vários níveis, mas dá muita liberdade. Você escolhe em que vai trabalhar como pesquisador . Há pouca hierarquia, não tem chefes. Você é independente. Avila é objetivo e reservado. Não fala sobre sua vida pessoal. A não ser quando ela se confunde com a paixão pela matemática. Ele começou a desenvolver essa vocação na 5ª série (atual sexto ano do Ensino fundamental), motivado por um Professor do Colégio São Bento que lhe apresentou, em 1992, a Olimpíada Brasileira de Matemática, promovida pelo Impa para rastrear jovens talentos. O garoto, com 13 anos, conquistou uma medalha de bronze no primeiro ano e, depois, três ouros consecutivos.

Em 1995, ganhou outra medalha dourada, desta vez na Olimpíada Internacional de Matemática no Canadá. Abriram-se, então , as portas do Impa, onde ele ingressou para fazer um curso de verão. Enquanto os colegas reclamavam da dificuldade das provas, Avila, sempre calado , na dele, só tirava notas altas.

—A partir daí ele começou a ser conhecido como brilhante — diz o diretor -geral do Impa, César Camacho. A matemática que a maioria de nós aprende na Escola está tão distante do trabalho atual do pesquisador quanto um livro infantil de colorir está de um quadro de Picasso. Nos últimos anos, o matemático ganhou reconhecimento atuando na área de sistemas dinâmicos, a popular teor ia do caos, que procura explicar sistemas que mudam com o tempo. Algo aplicado em diversas áreas, como a economia e a meteorologia. Avila é incomum entre os matemáticos em seus hábitos de trabalho . Ele confessa, por exemplo , não ler livros. Nem mesmo a literatura científica da área. Prefere conversar com colegas para identificar os problemas em aberto e definir como pode colaborar para solucioná-los. Se despertar em seu in ter esse, claro.

— Gosto de interagir com outros matemáticos, assim somos pelo menos duas pessoas com o mesmo objetivo — conta.— Quando quero entrar em um assunto, vou conversar . Isso me permite ir direto ao ponto. l Esses sistemas têm trajetórias que se acomodam em órbitas estáveis, nos quais prever onde um ponto estará em determinado momento é simples Aqui as trajetórias assumem um caráter caótico e prever onde o ponto estará depois de um longo tempo é o mesmo que tentar prever, após jogar uma moeda 1 milhão de vezes, se na milionésima primeira sairá cara ou coroa Avila e Jitormiskaya provaram que em configurações específicas destas equações do problema, e para determinados valores de suas variáveis, as soluções serão sempre na forma de conjuntos conhecidos como de Cantor O problema matemático faz parte de um grupo de 15 conjecturas originalmente propostas nos anos 1980, e depois ampliadas em 2000, pelo físico e matemático americano Barry Simon, relacionadas a certos tipos de equações da física quântica Avila, seu ex-orientador Welington de Melo e o matemático de origem ucraniana Mikhail Lyubich mostraram ser possível, a partir da análise de parábolas iniciais, saber logo se o sistema será regular ou estocástico, unificando e dando uma visão geral do comportamento deles Tais soluções apresentadas por Avila e Jitormiskaya permitem, por exemplo, descrever o comportamento de elétrons sob ação de um campo magnético, cuja representação gráfica é conhecida como "Borboleta de Hofstadter" , estrutura fractal na qual suas partes são versões distorcidas do desenho original Pesquisador diz que, para o Brasil, o prêmio pode ser visto como um certificado de que está sendo realizada ciência de alto nível no país  




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