Educação que inspira

Educação que inspira

Projetos educacionais realizados pelo Brasil e pelo mundo ganham espaço em livro e filme

Fonte: Revista Gestão Educacional   03 de junho de 2014

Recentemente, profissionais de diferentes áreas de atuação decidiram mergulhar no mundo da educação e seguir à risca uma das muitas ideias do educador Paulo Freire (1921-1997): “Os homens se educam entre si mediados pelo mundo”. Entre as experiências, está a de sete pessoas que decidiram mudar a rotina para percorrer vários países, sobretudo o Brasil, para conhecer e ouvir diferentes atores, registrar e contar bons exemplos de práticas inovadoras realizadas em diversas escolas. O resultado pode ser conferido no livro Volta ao mundo em 13 escolas, assinado pelo coletivo Educ-ação, e no documentário Quando sinto que já sei, dirigido por Antônio Sagrado Lovato e Raul Perez.

No caso do livro, tudo começou em uma tarde de sábado, em janeiro de 2012, quando o engenheiro Eduardo Shimahara, conhecido como Shima, convidou os amigos para compartilhar sonhos. Um deles era o de publicar um livro sobre escolas inovadoras. A proposta conquistou o jornalista André Gravatá, a psicóloga Camila Piza e a mãe, empreendedora e ativista da educação, Carla Mayumi. Em um ano de pesquisa, o grupo definiu as 13 instituições que desejavam conhecer. E, mesmo sem recursos, as primeiras visitas começaram em São Paulo. Além de escolas brasileiras, o grupo visitou instituições dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Suécia, da Espanha, da Índia, da Indonésia, da África do Sul e da Argentina. O livro está disponível para download no site do Educ-ação. “Nessa trajetória, descobrimos que, para além do caos e das queixas diárias de professores e alunos, há muita coisa boa sendo feita Brasil afora. A nossa proposta era exatamente essa: a de mostrar que é possível fazer algo diferente”, comenta André Gravatá, um dos autores do livro, que passou por seis escolas públicas ao longo da educação básica quando era estudante.

Após visitar escolas públicas, privadas e comunitárias de diferentes países, conversar com pais, alunos, educadores e pesquisadores da área, Gravatá acredita que essas experiências podem, sim, inspirar outras, mas afirma que o livro não traz uma fórmula que possa ser aplicada para mudar as escolas brasileiras. “É um processo, cada instituição encontrou seu caminho olhando para sua realidade e contexto”, ressalta. Para ele, o projeto político-pedagógico das instituições retratadas no livro têm em comum a busca pela construção de relações equilibradas, o respeito ao outro e o diálogo entre todos os atores. “Aprendi com o educador Tião Rocha que professor é aquele que ensina, educador é aquele que aprende”, lembra André. Segundo ele, a educação existe para que as pessoas se descubram singulares e não sejam oprimidas, desrespeitadas ou subjugadas.

O documentário

A ideia do documentário Quando sinto que já sei começou a ganhar corpo em 2010 e surgiu do outro lado do oceano Atlântico, em Portugal, onde, por coincidência, os diretores do filme se encontraram. Na época, como estudante de jornalismo, Raul Perez fazia intercâmbio na Universidade de Coimbra. Já Antonio Lovato, aluno do curso de Engenharia de Gestão, fazia uma pausa em sua pesquisa sobre centros culturais na Espanha para entrevistar, em Portugal, o educador José Pacheco, idealizador do Colégio da Ponte, localizado na região do Porto. No encontro, os amigos decidiram desenvolver um projeto juntos: um documentário sobre modelos alternativos de ensino que tivessem propostas similares às que conheceram, como a escola inglesa Summerhill (a escola democrática mais antiga do mundo, em funcionamento há mais de 90 anos) e a própria Escola Ponte, reconhecidas pela concepção de ensino democrático. De volta ao Brasil, no início de 2011, com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, começaram a captar as primeiras imagens do documentário, que deve ser lançado oficialmente na última semana de julho deste ano.

Durante dois anos, os realizadores visitaram iniciativas em oito cidades brasileiras – projetos que estão criando novas abordagens e novos caminhos para uma educação mais próxima da participação cidadã, da autonomia e da afetividade. O documentário apresenta algumas dessas práticas educacionais inovadoras que estão ocorrendo pelo Brasil e traz depoimentos de pais, alunos, educadores e profissionais de diversas áreas sobre a necessidade de mudanças no tradicional modelo de ensino.

Como parte do pré-lançamento do documentário, Lovato conta que foram realizados vários encontros, por meio de debates, saraus e seções de filmes em escolas públicas, com exibição do documentário Imagine a school… Summerhill, e um trecho de 23 minutos do documentário Quando sinto que já sei foi apresentado em encontro da Unesco em Paris, Brasília, Porto Alegre, Santos, Santo André e São Paulo. Ao discutir o trabalho das escolas que buscam outras formas de diálogo e o fortalecimento do vínculo e da autonomia dos alunos, os diretores do filme têm recebido queixas de docentes. A principal delas é sobre as condições de trabalho e a baixa remuneração, apontados como um empecilho para superar o modelo falido de ensino. “Os professores são os profissionais mais cobrados. Eles são o elo entre as políticas públicas e os alunos. Portanto, não é à toa que são os que sofrem maior pressão social e os que pressionam por melhores condições de trabalho e de reconhecimento social e financeiro. Acredito que se trata de um processo cultural que precisa ser revisto. Não é só melhorar a remuneração. Também não adianta achar que basta o governo ampliar o financiamento e dar autonomia às escolas. Há uma construção histórica por trás de cada escola que visitamos”, defende Lovato. “Não é a toa que o subtítulo do livro é ‘Sinais do futuro no presente’. Com essas iniciativas, buscamos legitimar e dar força para impulsionar a educação que a gente quer. Hoje já temos muitas escolas fazendo coisas muito legais. Elas representam o que temos visto de potente e que pode potencializar outros encontros e influenciar outras escolas”, enfatiza Gravatá.

Não é mera coincidência

Ambos os projetos têm o mesmo objetivo: mostrar que é possível inovar e obter qualidade na educação, com a formação de cidadãos conscientes, participativos, solidários, bem-sucedidos e, acima de tudo, felizes. Seus idealizadores foram atrás de histórias inspiradoras. O tema não é o único ponto em comum entre as duas iniciativas, mas também a forma de seus idealizadores partirem de uma ideia para uma ação concreta. Tanto o livro quanto o filme são frutos do trabalho de muitas mãos. Além das pessoas que idealizaram e foram a campo, há muitas outras envolvidas. Elas contribuíram financeiramente para que o projeto pudesse ganhar asas. Para conseguir o apoio, Gravatá e Lovato apresentaram suas ideias no Catarse, uma ferramenta de crowfunding que possibilita o financiamento de projetos criativos por meio de campanhas na internet. Os projetos são viabilizados financeiramente a partir da colaboração direta de pessoas que se identificam com eles. Para a publicação do livro, por exemplo, 566 pessoas contribuíram com o projeto, o que totalizou uma arrecadação de R$ 56 mil.

Novos rumos

André Gravatá e Antonio Lovato se conheceram quando os projetos já estavam em andamento. “O livro estava para ser publicado e nós estávamos buscando apoio para finalizar a edição do material”, lembra o diretor do documentário. Com tanta coisa em comum, os dois se aproximaram e hoje integram o movimento Entusiamo. “Nosso objetivo é transformar o centro de São Paulo em uma comunidade de aprendizagem, onde diferentes espaços do território estejam conectados entre si e com escolas, estimulando que a aprendizagem seja o ar que se respira no cotidiano”, explica Gravatá.

Uma das iniciativas do movimento é a Virada da Educação, que aconteceu no dia 17 de maio. Foram mais de mais de 50 atividades gratuitas divididas em quatro categorias: diálogos, trilhas/oficinas, exibições e intervenções realizadas por educadores, artistas, alunos e pais. Ainda em 2014, o movimento pretende lançar um livro e um filme como registro do evento.




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