RS: aula pública em parque

RS: aula pública em parque

RS: aula pública em parque vai falar sobre democracia

Evento é mais um exemplo de ocupação dos espaços públicos de Porto Alegre

Manifestações e tentativa do poder público de impedir o uso de máscaras estarão entre os temas expostos na aula Foto: Dario Oliveira / Futura Press Manifestações e tentativa do poder público de impedir o uso de máscaras estarão entre os temas expostos na aula  Foto: Dario Oliveira / Futura Press

No último ano, a lista de eventos ao ar livre vem crescendo em Porto Alegre (RS). São atividades organizadas pela sociedade civil numa tentativa de retomar espaços públicos. Aos já conhecidos piqueniques, blocos de Carnaval de rua, sessões de cinema e outras ações, junta-se agora uma aula aberta, de sociologia, em um dos parques mais tradicionais da cidade e na qual se discutirá, entre outros temas, justamente conceitos de público e privado.

A aula será aberta para quem quiser participar, no meio do parque Farroupilha, conhecido por Redenção, tombado como patrimônio histórico e cultural da cidade. O projeto é uma iniciativa do Sindicato dos Sociólogos do Rio Grande do Sul (Sinsociólogos) e deve acontecer sempre no último domingo de cada mês. No dia 30 de março, das 10h ao meio-dia, a professora de sociologia e presidente do sindicato, Ruth Ignácio, com a participação do diretor da Associação Cultural José Martí, Ricardo Haesbaert, irão ministrar a primeira de uma série de aulas públicas, que prometem trazer sempre assuntos de interesse social.

O tema da aula será “A democracia substantiva do nosso tempo” e contemplará todos os aspectos da sociedade, segundo Ruth. “Vamos tratar do conceito de democracia, que envolve diversas dimensões da vida do sujeito, a dimensão social, cultural, econômica e religiosa”, diz. Segundo a professora, a democracia não é apenas a eleição e a crença de que a participação democrática do cidadão acaba depois de votar colabora para a manutenção de uma “cultura que deixa para um terceiro fazer”.

Outro aspecto que será abordado é a concepção errada do que é privado e público. Segundo Ruth, existe uma tendência de associar tudo o que é público ao Estado, mas “a dimensão pública não é estatal, o Estado tem apenas responsabilidade de manutenção”, diz. “A ideia é chamar sociólogos, estudantes, divulgar nas universidades e sindicatos. Como é uma aula pública, qualquer pessoa que estiver passando pelo parque pode participar e manifestar o que quiser”, diz o diretor de meio ambiente do sindicato, Antônio Prado.

O modelo de democracia aplicado em Cuba será o tema da participação de Haesbaert. Segundo ele, é um assunto pouco conhecido no Brasil e pode apresentar exemplos muito bons. “Em Cuba, as pessoas não precisam estar vinculadas a nenhum partido para concorrer a cargos públicos, e toda participação dos cidadãos não tem nenhuma relação de vínculo com as suas situações financeiras”, diz. Para Haesbaert, temos uma “cultura de não saber o que é a representação social”, que se reflete na repetição de mandatos que cria políticos profissionais em vez de representantes.

A intenção da aula no parque é conquistar o espaço da ágora grega, onde qualquer pessoa pode participar, independente de ter ou não dinheiro ou instrução”, diz Ruth. 

A discussão sobre a ocupação dos espaços públicos pelo povo, principalmente depois das manifestações populares de junho que tomaram as ruas de todo o País, será o mote para que os professores provoquem nos participantes uma reflexão sobre a democracia. 

Máscaras nos protestos

Segundo Prado, a democracia do presente precisa ser revisada para que sirva melhor ao povo. O diretor cita a nova lei aprovada na Câmara Municipal de Porto Alegre que proíbe o uso de máscaras em manifestações; para entrar em vigor, aguarda a sanção do prefeito. A medida não é única. Prado lembra que a cidade do Rio de Janeiro já discutiu o tema, e cita também o projeto de lei nacional para regular as manifestações e “criar mecanismos de repressão, proibindo que se cubra o rosto e o porte de explosivos, por exemplo”.

As medidas, destaca, vieram depois que o cinegrafista Santiago Andrade, da Bandeirantes, morreu ao ser atingido durante uma manifestação. “Aproveitam a onda de comoção da mídia para obter apoio para implementar essas leis”, opina. “O direito de manifestação é um direito constitucional que levamos muito tempo para conquistar e não podemos deixar que nos tirem agora”, diz. Essas leis “proíbem a livre manifestação e transformam a democracia em um ritual, onde o povo apenas elege e vai pra casa”.  

" falta da democracia econômica faz com que produto do trabalho social seja distribuído de forma desigual e isso reflete na distribuição dos espaços públicos" Antônio PradoPresidente do Sindicato dos Sociólogos do Rio Grande do Sul

Segundo Prado, a aula aberta quer deixar como mensagem que a cidade é direito de todos, que todos devem usufruir dos espaços públicos e centros culturais, e isso nunca deve estar atrelado ao poder aquisitivo de cada indivíduo. “A população têm direito à cidade”, diz.

Outros eventos em Porto Alegre

Na cidade de Porto Alegre, várias ações estão buscando o melhor aproveitamento dos espaços da cidade, como, por exemplo, a apresentação do documentário Occupy Love, do diretor Velcrow Ripper, que aconteceu no dia 14 de abril de 2013 em 80 países de todo o mundo. Gabriela Guerra participou da organização do evento, que segundo ela começou com quatro ou cinco pessoas e no final teve tantos colaboradores que ficou impossível de contar. “Todo mundo ajudava em tudo”, conta. A mobilização atraiu tanta gente disposta que os únicos gastos que o evento gerou foram a compra de uma extensão e o valor da eletricidade que a companhia elétrica cobrou “R$ 30 ou R$ 40, eu acho”, conta. “Conseguimos tudo emprestado.”

A exibição do documentário lotou a Praça da Matriz, no centro de Porto Alegre, e reuniu cerca de 800 pessoas, segundo Gabriela. “Em torno da praça tem a Catedral, e quando acabou a missa, as pessoas saíam, viam o telão e ficavam para assistir. Então tinha famílias com crianças, idosos, gente de todas as idades”, diz. A motivação para organizar a sessão foi “pensar em ocupar os espaços da cidade de forma gratuita, em um local que não restringisse nenhuma camada da população. A ideia principal é de fazer com que as pessoas voltem a ter um sentimento de pertencimento com relação à cidade, trazendo de volta a importância do espaço público”, diz. 

Com a intenção de atrair atenção para o movimento de moradores que tenta impedir a construção de uma passagem de nível na rua Anita Garibaldi, na zona norte de Porto Alegre, o coletivo urbano Shoot the Shit resolveu promover uma sessão de cinema no meio da rua. “Um amigo que mora na Anita sugeriu passar um documentário sobre mobilidade para mostrar para as pessoas que existem outras alternativas além da construção de mais um viaduto”, diz Luciano Harres Braga, um dos fundadores do coletivo. Mais de 300 pessoas compareceram à sessão, que repercutiu na imprensa local. O projeto mais conhecido do coletivo é a colagem de adesivos nas paradas de ônibus da cidade, para que os próprios usuários escrevam número e nome das linhas que passam por ali. Entre outras ações, eles já cobriram o tapume de uma obra com pichações contendo a frase “Porto Alegre precisa de mais…” e um espaço para resposta, que foi preenchido com giz por quem passava pela rua Silva Jardim. O “POA precisa” tinha 60 lacunas e todas foram preenchidas no primeiro dia, segundo Luciano. “Depois choveu e apagou, mas as pessoas escreveram tudo mais uma vez”, conta. 

Comerciantes também estão mobilizados. O grupo “Cidade Baixa em Alta” é uma associação que reúne os profissionais do bairro boêmio Cidade Baixa. A entidade promove sessões de cinema de rua, piqueniques solidários e “feiras de escambo”, nas quais os moradores podem vender ou trocar o que não querem mais. Os piqueniques são realizados no pátio de um museu localizado no bairro, “um espaço que era pouco frequentado pelos moradores e era desconhecido pela maioria das pessoas”, diz Tiago Faccio, um dos coordenadores da associação. O evento já chegou a concentrar cerca de 3,5 mil pessoas. Os participantes são convidados a doar alimentos, agasalhos ou material de higiene, dependendo da época do ano em que são realizados. A associação quer integrar os moradores e os frequentadores do bairro nos espaços públicos, sempre com atividades artísticas e eventos culturais.

“A Cidade Baixa sempre foi um espaço cultural e eclético, e o que a gente quer mostrar é que o bairro tem um enorme potencial para a manifestação da cultura”, diz Tiago. A associação também foi parceira na organização do Carnaval de rua realizado no bairro, que trouxe 14 blocos e, segundo o coordenador, teve a presença de aproximadamente 200 mil foliões.

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