Laboratório de falhas

Laboratório de falhas

‘A escola deveria ser um laboratório de falhas’ 

Para melhorar a realidade da educação brasileira, é necessário mudar a maneira como os professores ensinam e como os alunos aprendem. Essa mudança conceitual defendida por Gustavo Borba, organizador do TEDxUnisinos e especialista no tema inovação na educação, pressupõe uma modificação no próprio conceito de escola. “Precisamos disseminar uma outra cultura nos nossos sistemas de ensino se quisermos, de fato, mudar nossa realidade educacional: a cultura do ‘aprendemos mais errando’. As escolas deveriam ser entendidas como uma espécie de laboratório de falhas, como espaços de construção. Porque é a partir das falhas que surgem as inovações”, diz Borba.

Defendendo a ideia de que todas as iniciativas que se propõem inovadoras devem começar como um caso piloto, Borba espera, com a terceira edição do TEDxUnisinos, difundir boas experiências e ideias que possam inspirar pessoas, entidades e governos. Marcado para acontecer no dia 31 de outubro em Porto Alegre, o evento – formatado sob a dinâmica de apresentações de menos de 20 minutos –, contará com palestrantes estrangeiros e do Brasil.  O educador americano Richard Gerver e o empreendedor sociail brasileiro Felipe Dib, do projeto Você Aprende Agora, são alguns dos participantes. (veja a lista completa de palestrantes). As inscrições já estão encerradas, mas para quem quiser acompanhar as discussões, o evento vai transmitir on-line as palestras.

crédito bahrialtay / Fotolia.com

 

Segundo Borba, ao dar publicidade às boas experiências, é possível “alavancar” o case, fazendo com que a experiência seja expandida para mais estudantes. “A ideia do TED é trazer experiências inovadoras sobre práticas legais que estão acontecendo ao nosso redor ou mais distante de nós. Buscamos disseminar exemplos que podem ser seguidos por escolas Brasil adentro. Queremos estimular a construção de uma nova educação no país”, diz.

Para entender mais sobre a “nova educação” proposta por Borba, e de que maneira a inovação se envolve com esse novo modelo, confira a entrevista:

Qual é o seu conceito sobre inovação?
Entendo a inovação como uma equação. Ela seria a soma de ideias com ações que acaba desencadeando uma repercussão prática. É comum pessoas confundirem inovação com invenção. A principal diferença, no entanto, é que, enquanto a invenção é representada por uma ideia sem resultado prático, a inovação pressupõe um ciclo mais amplo. Ela interliga a ideia à ação, desdobrando-se num resultado.

Esse é um tema difundido no Brasil?
Recentemente, observamos um movimento que vem repercutindo bastante nas organizações. No entanto, quando pensamos nacionalmente, percebemos que o conceito de inovação só não está ainda mais difundido porque temos um contexto histórico que acaba por atrasar essa disseminação. Ainda focamos na questão da qualidade como atributo de produtos e serviços. Não devíamos mais estar envolvidos nessa discussão, precisamos superá-la, ir adiante. Além disso, a qualidade remete à cultura que não permite o erro. Com a inovação, ocorre o contrário: ela permite a falha. Para que haja a inovação é preciso propiciar experimentos, propor uma lógica de pensamento aberto, fora do padrão, até que surja a ideia.

E como as escolas podem contribuir para disseminar a inovação?
Na nossa cultura, temos muito medo de falhar. É por isso que as escolas deveriam ser entendidas como um espaço de construção, como um laboratório de falhas. A partir das falhas é que surgem as inovações. A escola é o espaço mais propício para se criar essa nova realidade.

Mas como construir essa nova realidade?
A grande sacada é repensar os modelos mentais. Precisamos disseminar a cultura do questionamento. A gente precisa buscar um modelo que questione continuamente as certezas. Um caminho para alcançar isso seria estimular o pensamento transversal e a participação conjunta de vários atores nos mais diversos processos educacionais. Para tanto, precisamos dar especial atenção a três questões fundamentais: a proposta curricular da escola, o perfil do professor desejado para estimular tamanhas mudanças e a presença de uma infraestrutura suficiente para dar base a essa nova escola que precisamos fomentar.

divulgação
Gustavo Borba é diretor de graduação da Unisinos 

Sobre o currículo, o que deveria ser considerado?
Precisamos resgatar o modelo de ensino a que somos submetidos logo que entramos na escola. Na educação infantil e até nas primeiras séries do ensino fundamental, a questão lúdica, o conteúdo transdisciplinar e a lógica de aprendizagem coletiva são aspectos que precisam ser levados para os outros níveis de ensino. O problema é que, depois da alfabetização, nosso modelo de ensino vai se enveredando para uma perspectiva linear, pouco sistemática em relação àquela observada na educação infantil. Mesmo com diretrizes que estimulam a interdisciplinaridade e o desenvolvimento de atividades baseadas em projetos conectados à vivência do aluno, na prática, observamos uma realidade diferente. Ainda mais no Brasil, que tem realidades tão díspares.

E os professores, o que devem fazer?
Os docentes precisam se adaptar a esse novo contexto. A grande questão a ser difundida é a lógica de construção de um espaço coletivo de aprendizagem. Os professores precisam chegar à sala de aula com uma ideia de divisão de espaços. O ambiente pedagógico deve ser integrado pelo professor e pelo aluno. O docente não deve chegar cheio de certezas na sala de aula. E as discussões com os alunos devem estar abertas à construção coletiva do grupo. Nessas situações, o professor deve atuar mais como mediador e menos como o único transmissor de conteúdo.

Mas como fomentar esse tipo de postura nos professores?
Para propormos essa mudança de concepção e atuação, precisamos investir em formações. Mas precisamos formatá-las dentro de uma perspectiva não só teórica, mas pragmática. Os cursos de formação de professores poderiam ser pensados sob uma dinâmica que se associa mais ao modelo de workshops e oficinas. Neles, os professores receberiam uma formação técnica e se atualizariam com as ferramentas inovadoras de ensino.

Levando em conta o atual contexto da tecnologia, qual seria o conteúdo programático dessas formações?
É fundamental os professores compreenderem o atual impacto que as redes sociais causam nas relações humanas e também na educação. Os docentes precisam saber usar e ensinar os alunos sobre todas essas possibilidades. Com o domínio, o educador consegue identificar quais são as ferramentas tecnológicas mais apropriadas para cada situação de aprendizagem. Eles precisam saber, por exemplo, do baita potencial do Google Docs para atividades pedagógicas em grupo. Também é importante os professores saberem visualizar as possibilidades de outras ferramentas digitais. Mas o mais importante é refletir sobre a maneira como sua aula vai chegar até os alunos. Cada encontro deve ser encarado como uma experiência de aprendizagem. Assim, é fundamental o professor estar atento não só ao conteúdo como também ao olhar do estudante.

Mas qual sua avaliação sobre as redes, plataformas e ferramentas digitais pedagógicas?
Eu mesmo já participei de cursos da plataforma de MoocsGlossário compartilhado de termos de inovação em educação Coursera. Ela é um espaço muito interessante onde você consegue estabelecer contatos com internautas de todo o mundo. Isso contribui fortemente para reforçar o aprendizado do conteúdo. A Khan Academy, usada por estudantes da educação básica, também tem algo positivo. Com elas, jovens estudantes conseguem estudar o assunto, previamente, e utilizam a hora da aula para focar em dúvidas. Diante dessa realidade, imagino que, no futuro, o estudante vá ser mais protagonista do seu próprio aprendizado. A questão, no entanto, é que atualmente todas essas redes e ferramentas ainda estão num estágio inicial de desenvolvimento.

E sobre a infraestrutura, o que é preciso ter para otimizar o uso da tecnologia na sala de aula?
Em geral, as escolas ao redor do Brasil têm uma disparidade muito grande. Mas o fato é que a maioria das unidades de ensino ainda têm uma infraestrutura limitada e tradicional. No entanto, está havendo um movimento de entrada cada vez maior da tecnologia. E hoje, o iPad é a bola da vez. Tudo isso é positivo. Mas o ponto-chave é que a inovação não ocorre apenas pelo uso da tecnologia. Mesmo com a presença de ferramentas digitais, o nosso grande desafio é construir uma sala de aula diferente, colocar alunos e professor lado a lado, se ajudando.

Como as universidades podem contribuir dentro desse contexto?
As universidades e as faculdades de formação de professores devem repensar a maneira como formam esses profissionais. Elas devem focar numa perspectiva mais sistêmica e menos linear. Perceber que a inovação pode melhorar o quadro de educação do país é muito importante. No entanto, o grande problema atual é que a carreira de professor é cada vez menos desejada pelos estudantes que saem da educação básica. Então não adianta remodelar os currículos, deixando-os super atualizados, se há cada vez menos alunos dispostos a seguir a carreira da licenciatura.

Assista à palestra de Gustavo Borba proferida no TEDxPorto Alegre:


 

Veja outros vídeos de palestrantes da última edição do TEDxUnisinos

 

http://porvir.org/porpensar/a-escola-deveria-ser-um-laboratorio-de-falhas/20131009




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