Quase de volta ao bom senso

Quase de volta ao bom senso

Ensino: quase de volta ao bom senso

 Paulo Ghiraldelli

Chegamos tão no fundo do poço na educação paulistana que qualquer medida nesse setor, por mais ridícula que possa parecer à minha geração, ganha o direito de ser manchete de jornal. É exatamente isso o que ocorre com a reinvenção do já inventado, isto é, o projeto de reforma do ensino público da cidade de São Paulo, dirigido pelo ex-deputado do PSB, professor César Callegari.

O professor Callegari tem um bom histórico de atuação como administrador e     planejador do campo educacional. Felicitei a cidade de São Paulo quando vi que ele seria o secretário de Educação. Talvez tenha demorado um pouco, o que é natural, mas as medidas propostas pela sua secretaria são louváveis enquanto tentativa de retorno ao bom senso. O que ele quer é que o professor volte a ter o controle sobre o aprendizado do aluno por meio da nota (não mais “conceito”) e da capacidade de reprovação. Não se trata da volta da reprovação anual, mas ao menos é a possibilidade da reprovação no meio do percurso. Afinal, a situação anterior era tão esdrúxula, que a justificativa atual para uma retomada do controle soa surreal: “pelo modelo atual, em que o aluno do primeiro ciclo só pode ser retido ao final do quinto ano, ele pode ficar muito tempo na escola sem aprender” (reportagem dos jornais).As estatísticas mostram, de fato, que o aluno paulistano não aprende. Mas é ridículo que se precise de pesquisa para que possamos saber que se a reprovação só pode ocorrer no quinto ano, não existe de fato nenhuma rotina de aprendizado.

Aliás, as medidas de Callegari são todas elas no sentido de uma volta ao mínimo do que seria ter uma escola organizada. Ele quer que a escola tenha provas bimestrais e que exista um código de conduta interno, com sanções previstas para questões de indisciplina. E pasme, leitor, veja só o que ele também vai instituir: o boletim escolar (consultável na Internet) e a tarefa de casa. Ora, se é necessário transformar isso em regra, é porque a própria prática pedagógica tradicional já havia sido perdida. Isso ocorreu não por culpa das faculdades de educação, como em geral os técnicos conservadores dizem, mas fundamentalmente porque o funcionamento da escola pública de São Paulo, por suas próprias regras internas, barrou o que havia de bom senso no cotidiano de qualquer escola do mundo.

Todavia, apesar disso ser tudo muito bom, ainda que possamos lamentar o fato de termos chegado a tal bagunça, não creio que São Paulo dará o salto que deveria dar em educação. É que o problema no Brasil, em termos de educação, está em um ponto tabu de nossa sociedade: o salário do professor.

No Brasil, pagar um salário justo para o professor se tornou antes um crime que uma obrigação. De uns tempos para cá, mais ainda que nos anos oitenta, nossa sociedade, acompanhada pelo governo, retomou uma velha onda: “o bom professor trabalha por amor”. Essa frase é verdadeira, claro. Mas ela é uma frase de elogio, não pode se transformar em uma diretriz de política educacional. Ela cabe na boca do professor, falando de si mesmo, mas não cabe na boca de prefeitos e governadores, falando para grevistas. Nos anos oitenta, o político que dissesse isso, cairia em desgraça. Atualmente, vários políticos têm dito isso, e recebem aplausos de boa parte de nossa sociedade. Não se leva a sério este dado: o salário do professor do ensino básico no Brasil está na faixa de 800 a 1200 reais, enquanto o salário médio para quem tem curso superior em nosso país é de 4.500 reais. Isso é o que tem feito com que os melhores colocados nos concursos para o magistério desistam da profissão. Isso é o que tem feito com que não se possa levar adiante qualquer reforma pedagógica. Um trabalhador nessas condições salariais não é arrastado para uma nova prática de trabalho de modo algum. A vida miserável faz do pensamento algo também miserável e da motivação uma árvore seca.

Bem, mas se o bom senso está voltando no âmbito da rotina pedagógica na cidade de São Paulo, talvez ele também retorne no campo da política educacional quanto a salários. Caso isso ocorra, então estaremos reentrando nos anos cinquenta e sessenta do século XX, após meio século de desvios, perdas e estultices.

  • •Paulo Ghiraldelli Jr., 55, filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ

 

http://ghiraldelli.pro.br/ensino-quase-de-volta-ao-bom-senso/

 




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