O sequestro cognitivo histórico

O sequestro cognitivo histórico

O sequestro cognitivo histórico nas escolas públicas de SP

SP Sem Passado ou O Sequestro Cognitivo Histórico nas Escolas Públicas Estaduais de São Paulo

Por Antonio Simplicio de Almeida Neto*

Em 1814, Chamisso publicou a novela A História Maravilhosa de Peter Schlemihl, na qual conta a inusitada história de um homem que decide vender sua sombra ao maligno, em troca de uma bolsa da fortuna. Desde então mergulha na mais profunda miséria humana. Por onde andava era identificado, assediado e agredido: “começaram a praguejar contra mim e a jogar-me lama: ‘Pessoas decentes costumam levar a sombra junto, quando saem ao sol’.”. (p. 44). Schlemihl passa a levar uma vida triste e solitária, saindo à noite, esgueirando-se pelas sombras das casas, árvores e monumentos, restando-lhe apenas conviver com sua terrível maldição vagando pelos quatro cantos do mundo depois de comprar botas de sete léguas.

Identidade Fragmentada

"Algo de sórdido, nesse sentido, vem ocorrendo no âmbito da educação escolar paulista. Como se sabe o ensino de História tem importante papel na formação das crianças e jovens no âmbito do currículo escolar: na reflexão crítica dos acontecimentos, na compreensão do tempo histórico e processos de transformação"

Entre as várias interpretações suscitadas desde a publicação, a sombra, que decorre da projeção de um corpo luminoso sobre um corpo opaco, representando um sólido, na explicação sugerida pelo próprio Chamisso (p. 155), pode ser entendida como o elemento que liga o homem ao solo, sugerindo que aquele que não a possui é alguém sem memória, sem identidade, sem raízes, sem nação. Essa fábula poderia servir como metáfora do indivíduo sem passado, desprovido dos elementos que lhe conferem identidade, um pária sem relação de pertencimento com lugar algum, enfim o homem sem história, muito se assemelhando ao homem contemporâneo, globalizado, midiatizado que tem sua identidade fragmentada.

Desarranjo Curricular

Algo de sórdido, nesse sentido, vem ocorrendo no âmbito da educação escolar paulista. Como se sabe o ensino de História tem importante papel na formação das crianças e jovens no âmbito do currículo escolar: na reflexão crítica dos acontecimentos, na compreensão do tempo histórico e processos de transformação, como elemento constituidor e constituinte das identidades e subjetividades, propondo narrativas (des)estruturantes do tecido social, ensejando representações (e práticas) implicadas nas relações de poder. Não obstante sua importância, cantada em verso e prosa, o ensino de História sofre um golpe desferido pela SEE/SP que, à guisa de modernizar a educação e melhorar o ensino de Língua Portuguesa e Matemática, promove um verdadeiro desarranjo curricular.

Tucanato

O governo Alckmin, através das Resoluções nº 81 de 16/12/2011 e nº 2 de 18/01/2013, retirou o ensino de História (além de Geografia e Ciências Físicas e Biológicas) dos 1º, 2º e 3º anos da Matriz Curricular dos anos iniciais do Ensino Fundamental das escolas públicas, reduzindo a 5% nos 4º e 5º anos, resultando em 100 h de estudo de História num total de 5.000 h para as crianças entre 6 e 10 anos de idade.

Trata-se de um sequestro cognitivo, um desmonte sem igual na história da educação, que atinge principal e particularmente os alunos das camadas populares que são privados, entre tantas coisas, do passado. E por tabela, também atinge a já precária formação do professor, sinalizando que o conhecimento histórico é dispensável, ao menos para certa parcela da população, resultando em crianças e jovens (des)educados quanto ao passado comum. E sem direito a bolsa da fortuna ou botas de sete léguas.



 ♦ Antonio Simplicio de Almeida Neto é professor doutor do Departamento de História da Unifesp e membro do grupo de trabalho Ensino de História e Educação da Associação Nacional de História (Anpuh) em São Paulo

 

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