O PNE e o regime de colaboração

O PNE e o regime de colaboração

O PNE e o regime de colaboração
Luiz Araujo 

 

É aguardada com ansiedade a chegada do Projeto de Lei n° 8035 de 2010 ao Senado Federal. Depois de quase dois anos de tramitação na Câmara dos Deputados o plano Nacional de Educação iniciará sua tramitação na Casa que deve preservar o chamado pacto federativo.


Vale recordar que o parágrafo único do artigo 23 da Carta Magna estabelece que “Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”. Ou seja, a Constituição delegou ao parlamento a edição de normas de cooperação entre os entes federados. Na área de educação o artigo 211 é mais explicito e afirma que “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino”.

A regulamentação deste regime de colaboração está atrasada em nosso país. Por isso, nada mais oportuno do que verificar como esta temática aparece no Substitutivo aprovado pela Comissão Especial da Câmara.

Escrevi em 2010 que o PL n° 8035/2010 não tratava adequadamente do regime de colaboração e que o mesmo aparecia da mesma forma que os fantasmas convivem com os seres viventes: sem existência material concreta.

Depois de meses de tramitação o problema continua sem solução adequada. É verdade que a pressão da sociedade civil, especialmente dos gestores educacionais e da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, conseguiu inserir um pouco mais de matéria na fantasmagórica presença do regime de colaboração, mas ainda insuficiente para torná-lo um elemento estruturante de um futuro Plano Nacional de Educação.

E por que o regime de colaboração precisa ser o elemento estruturante do PNE?

1°. O PNE possui vinte metas, sendo dezenove temáticas e uma meta síntese sobre financiamento. Cada meta estabelece obrigações a serem efetivadas pelos entes federados. Mesmo que a Constituição estabeleça responsabilidades de cada ente federado em termos de níveis e modalidades, isso não é suficiente para garantir que as metas (e suas respectivas estratégias) sejam cumpridas;

2°. Como o PNE não resolve a injusta repartição tributária nacional, o estabelecimento de metas somente acirra o conflito federativo latente no país. A maior parte das metas quantitativas é de responsabilidade municipal, por exemplo, justamente o ente federativo com menor capacidade de arrecadação de tributos e, por conseguinte, com menor possibilidade de ser efetivo no cumprimento dos dispositivos da nova lei; e

3° Dados relativos ao financiamento educacional mostram que a participação da União, ente federado que abocanha a maior parte dos tributos pagos pelos brasileiros, corresponde apenas a cerca de 20% do esforço financeiro na área educacional.

Portanto, cabe analisar em que termos aparece o regime de colaboração na nova lei, verificando se o formato contribui para regulamentar a cooperação entre os entes federados e, por este caminho, tornar mais exequível o conjunto de metas e estratégias.

Tentando identificar estes aspectos

Voltando ao debate sobre o PNE e o regime de colaboração, afirmo que o Substitutivo aprovado pela Comissão Especial representou um esforço de melhoria do tema, mas ainda está muito longe de resolver o problema da efetividade do plano versus divisão clara de responsabilidades.

 Foram inseridos artigos sobre o tema (destaque para os artigos 7, 11 e 13). O caput do artigo 7° estabelece:

Art. 7º A consecução das metas deste PNE e a implementação das estratégias deverão ser realizadas em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Como princípio o texto é bom, pois reafirma que a implementação de um plano nacional depende de um trabalho conjunto entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Porém, os parágrafos deste artigo não conseguem avançar na repartição de responsabilidades. Da mesma forma isto está totalmente ausente das estratégias do anexo da Lei.

Mais grave é que no artigo 13, quando trata da constituição do Sistema Nacional de Educação, instrumento jurídico que deverá materializar o regime de colaboração, tal definição é remetida para uma nova lei, com prazo de dois anos para sua instituição.

Art. 13. O poder público deverá instituir, em Lei específica, contados dois anos da publicação desta Lei, o Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação.

Então, resumidamente, a situação é a seguinte: 

No texto e no anexo da Lei do PNE o regime de colaboração aparece inúmeras vezes, mas sempre de forma genérica, sem precisar o que tal conceito representa na prática. Sempre se fala de “definir em regime de colaboração” alguma estratégia. Como exemplo disso é a estratégia 1.1, onde as metas de expansão das redes públicas de educação infantil devem ser definidas tendo como mote a colaboração.

Após a aprovação do PNE (que ninguém arrisca fazer uma previsão, mas tendo grandes chances de ser no ano que vem), o poder público (leia-se governo federal) terá dois anos para instituir (normalmente este prazo acaba sendo o de envio ao Congresso Nacional e é cumprido na última noite) o Sistema. Assim, depois de dois anos de vigência do PNE começará tramitar no Congresso uma lei sobre o Sistema Nacional de Educação e aí se discutirá os termos da colaboração para a efetivação de metas e estratégias.

Ou seja, o texto aprovado na Câmara manteve o regime de colaboração como um fantasma que ronda o PNE, mas que não se corporifica. Apenas marcou um prazo para que ele comece a se materializar. Se tal lei seguir o ritmo alucinante do PNE, no meio da vigência do próximo plano teremos a definição das responsabilidades de cada ente federado para cumpri-lo.

 A sociedade civil apresentou, via inúmeros deputados, emendas tentando resolver esse problema em várias metas, mas estas emendas não foram incorporadas pelo relator e foram rejeitadas pela Comissão Especial.

Agora, com a tramitação no Senado, haverá uma nova chance de ser consertado este grave problema, que pode tornar o novo plano apenas uma carta de intenção e pode jogar responsabilidades desproporcionais nas costas de entes federados desprovidos de capacidade financeira para efetivar metas e estratégias de sua responsabilidade constitucional.

fonte: http://rluizaraujo.blogspot.com.br/




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