Eu furei a fila

Eu furei a fila

Eu furei a fila sem querer e senti vergonha

bazar

Quando o vendaval atingiu Porto Alegre na noite da última sexta-feira, eu não estava em casa. Estava trabalhando. Do centro até o bairro Cidade Baixa, vi um cenário de destruição. Árvores caídas, postes deitados, fios elétricos sobre as ruas. Temi por encontrar meu apartamento em condições iguais. Nada! Nem um destelhamento. Do pátio, enxerguei o prédio vizinho com parte do telhado arrancado pela força do vento. As únicas avarias notadas foram os vasos vazios, com plantas e terra caídos ao chão. Um pouco de água por baixo da porta da cozinha e a falta de luz. Neste domingo, por volta das 6 horas da manhã, a luz voltou. Foram mais de 24 horas sem ela. Na geladeira, o leite azedou, um patê de frango estragou. Tivemos que comprar gelo e acomodar tudo que não poderia estragar em uma caixa térmica – comprada por necessidade no supermercado. E mesmo com toda essa correria, não quis reclamar. Enfrentei o calor com uns quatro banhos gelados. Os mosquitos na canela durante a noite, preferi ignorá-los. E quando pensei em me queixar, senti vergonha.

Nas redes sociais, muita gente reclamou. “A CEEE é uma vergonha! Estou até agora sem luz aqui no bairro“, escreveram alguns. “Aqui em casa a água não voltou! O serviço do DMAE é muito ruim!“, berraram outros. “Essa EPTC é muito incompetente, só sabe multar! Ainda não consertaram os semáforos“, digitaram os donos de automóveis. E eu lá, lendo o que podia, enquanto não acabava a bateria do meu celular. No meu prédio senti a falta da luz, mas não quis reclamar. Ou melhor, achei que nem devia.

Tudo porque, enquanto atualizava a timeline do meu Twitter, li a seguinte notícia: “Protesto de moradores das Ilhas interrompe a BR-290“. O temporal que atingiu Porto Alegre, também passou por Eldorado do Sul e Guaíba. Obviamente, atingiu as Ilhas. Quais ilhas? Sim, Porto Alegre tem ilhas, meu amigo! Se você nunca reparou, elas ficam ao redor do Rio Guaíba, são cheias de casebres de madeiras e ruas de chão batido. Elas inclusive formam um bairro da Capital, ‘carinhosamente’ chamado de Arquipélago. São 16 ilhas, sendo as mais ‘frequentadas’ a Ilha da Pintada, Ilha Grande dos Marinheiros, Ilha do Pavão e a Ilha das Flores (imortalizada no filme homônimo de Jorge Furtado). Pois o pessoal lá está há um bom tempo sem luz e água. Neste calor, sem luz e água há quase duas semanas. Eles não ficaram assim na sexta-feira após o temporal. Já estavam! E agora, quando os bairros nobres de Porto Alegre foram atingidos pela tormenta, levaram 24 horas para retomar a eletricidade. E lá, para debaixo da alça da ponte, alguém olhou? Por isso, senti vergonha. Sem pedir, recebi prioridade no atendimento. Furei a fila de reclamações junto à CEEE. Por quê? Não sei. E sinto-me envergonhado por isso. Então, preferi não reclamar de nada. Nem do protesto que trancou o trânsito. Seria egoísmo demais. Sou egoísta sem querer. Eu furei a fila da CEEE.

 

https://bazardecomentarios.wordpress.com/2016/01/31/eu-furei-a-fila-sem-querer-e-senti-vergonha/




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