Desafios da volta as aulas

Desafios da volta as aulas

REDE PÚBLICA VOLTA ÀS AULAS CERCADA DE DESAFIOS

GOVERNO PRECISARÁ LIDAR com insatisfação de professores e dúvidas de alunos enquanto escolas se adaptam a mudanças no ensino. Novas ocupações e greves estão entre as preocupações

Depois de um ano letivo tenso e que demorou a terminar – as escolas recuperaram aulas de 2016 até o final de janeiro deste 2017, devido à paralisação mais longa dos professores estaduais em 25 anos –, 2017 promete ser mais um ano atribulado na educação pública do Rio Grande do Sul. Previsão de greve, colégios em obras e os desafios de implementar o ensino integral e se preparar para a reforma do Ensino Médio são algumas das dificuldades que terão de ser enfrentadas. Tudo em meio à crise econômica e à redução dos investimentos do Estado em educação.

Atenta à mobilização de professores e também de estudantes, em voga antes mesmo de o calendário deste ano ter começado oficialmente, a Secretaria Estadual da Educação afirma que está “na expectativa” para os obstáculos que terá de enfrentar, mas se prepara como pode diante das dificuldades financeiras do Estado.

– Nós temos feito uma série de ajustes pela própria situação do Estado para que se façam as contratações necessárias. O Cpers levanta o argumento de que o Estado não quer negociar, e não é isso, o Estado não tem condições de negociar – diz o titular da pasta, Luis Antônio Alcoba de Freitas.

Já os sindicatos se preparam para fazer protestos e preveem paralisações.

– Este ano vai ser uma continuidade das lutas de 2016, com mais intensidade ainda. Não vamos aceitar a precarização da escola pública, as precarizações do nosso trabalho – defende Solange Carvalho, vice-presidente do Cpers/Sindicato.

Seis questões para o ensino público

Greve, mudanças e descontentamento

Os professores da rede pública estão descontentes: no Estado, reclamam do parcelamento de salários e da falta de investimentos em educação; em Porto Alegre, criticam a nova rotina proposta para as escolas e dizem não ter como se adaptar às mudanças propostas a tempo. Diante dos problemas apontados – que, no caso dos servidores estaduais, persistem desde 2016 –, os profissionais estão convocando assembleias para discutir como vão se mobilizar. Greves são uma possibilidade real.

– Temos todos os motivos para iniciar a greve já no dia 8 (quarta-feira). O governo ainda tem contas do ano passado a acertar conosco, mas continua ameaçando, parcelando salários. A educação está sendo sucateada – diz Solange Carvalho, vice-presidente do Cpers/Sindicato.

A Secretaria Estadual da Educação garante, porém, que não tem como pagar os salários em dia diante das dificuldades financeiras do governo.

– O Estado está exaurido, não tem como alcançar qualquer tipo de reajuste. Nas greves nos serviços públicos, diferentemente da empresa privada, em que o maior atingido é o bolso do dono, a maior prejudicada é a própria população, é a sociedade, os estudantes, não o governo. Esperamos que haja bom senso por parte dos professores e que a gente possa iniciar o ano letivo com outra forma de manifestação – afirma o secretário.

Na Capital, os professores municipais também participarão de uma assembleia geral convocada pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) para quinta-feira, às 13h30min, no Parque Harmonia.

Afastamento e contratação de professores

Antes do início das aulas, havia 69,5 mil professores ativos na Secretaria Estadual da Educação (Seduc). O número é menor que em 2016, quando o ano letivo começou com 70.256 professores ativos. No ano passado, houve o afastamento de 6.244 professores, entre efetivos e temporários, e 1.154 novos docentes passaram a integrar o banco de servidores, conforme a secretaria.

Há, contudo, a expectativa de que muitos profissionais peçam aposentadoria nesta volta às aulas, especialmente diante da anunciada reforma da Previdência. Em face disso, a Seduc garante que, nesta semana, serão nomeados ou contratados mais 320 professores. Dos 13.105 aprovados no último concurso público, 8.589 foram chamados. Em caso de necessidade, a secretaria afirma que possui autorização para chamar concursados e contratos emergenciais.

Ampliação do ensino integral

O Estado também tem de trabalhar para atender às exigências da lei que reforma o Ensino Médio. Entre as determinações do texto aprovado no Congresso está a de ampliar a carga horária das 800 horas anuais para 1,4 mil horas. Não há prazo estipulado para essa meta, mas em até cinco anos será preciso elevar a carga horária anual para 1 mil horas – modelo que já é adotado no RS. Há escolas que precisam de novas salas, de laboratórios e outras adequações.

Há outro empecilho entre as 11 escolas indicadas pelo governo estadual para receber recursos federais: muitas não estão conseguindo matricular o número mínimo de 120 estudantes no ensino integral. Por isso, a secretaria estuda pedir ao Ministério da Educação (MEC) que reconsidere a exigência, ao menos no início da implementação. As aulas nesse modelo só devem ter início no segundo semestre.

Reforma do Ensino Médio

Há tempo hábil, já que o novo modelo do Ensino Médio só deve chegar às salas de aula dentro de dois anos, isso na previsão mais otimista do governo federal, mas o Estado precisa se mexer se quiser estar preparado para a implantação da reforma. As escolas passarão por uma reviravolta no currículo, que deverá contemplar todas as disciplinas atualmente ministradas, dentro de quatro áreas principais (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas), e mais a possibilidade de ofertar formação técnica aos estudantes.

Para isso, é preciso que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) seja concluída, o que só deve acontecer neste ano. Será essa base a responsável por definir 60% do currículo obrigatório em todas as escolas brasileiras, tanto públicas quanto particulares. Também será preciso se adaptar ao currículo flexível, que prevê que as escolas ofereçam pelo menos duas das cinco áreas aos alunos que quiserem fazer sua própria trajetória.

Escolas em obras

Nesta volta às aulas na rede pública estadual, alunos de duas escolas da Capital – uma na Lomba do Pinheiro e outra no Lami – encontrarão o mesmo cenário de privações que enfrentavam no fim do no letivo de 2016: turmas compartilhando espaços diminutos, sem ventilação adequada, com redução de turnos, em alguns casos com alteração na merenda escolar, tudo porque a estrutura dos prédios não oferece plenas condições de uso.

As escolas Maria Cristina Chiká, na Lomba do Pinheiro, e Heitor Villa Lobos, no Lami, fazem parte de um universo de 93 escolas estaduais de Porto Alegre em processo de obras – em todo o Estado, chegam a 430 instituições, totalizando investimento de R$ 98 milhões.

Conforme a Secretaria Estadual da Educação, há mais de 2,5 mil escolas na rede e, em função do grande número e da estrutura física envelhecida dos prédios, as obras são permanentes e tramitam conforme a necessidade de cada instituição de ensino.

Turmas maiores para menos alunos

Em novembro de 2016, a Seduc confirmou o fechamento de turmas e de turnos em escolas com a justificativa de enxugar a estrutura por causa da queda no número de alunos. Uma portaria publicada no Diário Oficial determinou a necessidade de um mínimo de 16 estudantes por turma.

– Nós tínhamos turmas com quatro, cinco alunos. (Fechamos turmas) Até para haver a socialização. Tem de haver um número de alunos para que possa haver essa integração – diz o secretário Alcoba.

Ele afirma que “a otimização das turmas é um trabalho realizado pela Seduc com a finalidade de melhorar o atendimento dos alunos, já que a população educacional do RS registra queda ano após ano, em razão da própria diminuição na taxa de natalidade”.

ZH solicitou à secretaria, em 21 de fevereiro, um balanço sobre o número de turmas que foram reduzidas e de escolas que tiveram turnos de aulas encerrados, mas a Seduc não informou os dados.

guilherme.justino@zerohora.com.br

GUILHERME JUSTINO

http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9741400.xml&template=3898.dwt&edition=30766&section=3593 

 

“Estamos na expectativa do que vai acontecer”

LUIS ANTÔNIO ALCOBA DE FREITAS

Secretário estadual de Educação

O investimento em educação caiu em relação ao ano anterior. A educação ainda é prioridade? Como investir em meio ao corte de gastos?

Uma série de recursos extras aumentou os gastos no Estado e fez com que diminuísse um pouco o investimento em educação. Nós temos melhor perspectiva neste ano, temos recursos significativos para dar continuidade a obras. Neste orçamento de 2017, temos previsto mais de R$ 140 milhões para obras escolares.

Mas para cumprir isso é preciso cortar em outras áreas?

Não, isto está previsto no orçamento e são recursos do Banco Mundial e de convênios que nós temos com o do FNDE, não do Tesouro, por isso temos condições de fazer esse conjunto de obras.

Há professores preocupados com o fechamento de turmas e turnos inteiros em algumas escolas. Eles relatam que davam aulas todo o dia na mesma escola e agora terão que pulverizar sua rotina em duas ou três escolas.

Isso poderá acontecer. É um processo de racionalização que nós estamos fazendo e até foi apontado pelo Tribunal de Contas do Estado que nós tínhamos um número muito pequeno de turmas. É uma racionalização do trabalho que nós temos que fazer pra que possa haver uma integração dos nossos recursos humanos.

O Estado está fechando escolas?

Nós não estamos fechando escolas, pode existir pontualmente alguma escola que esteja sendo fechada. Mas para que seja fechada uma escola tem todo o procedimento que está regrado. Tem que ser ouvida a comunidade, se os alunos forem removidos para outra escola, tem que ver se tem transporte escolar. Tem que ver se existe vaga na escola para onde essas crianças irão. Então tem que ser assegurado que o aluno terá vaga e transporte.

Com ocupações e greves, o ano passado foi bem tenso na educação. Como será este 2017?

Estamos na expectativa do que vai acontecer, mas já tive uma reunião com o Cpers discutindo alguns pontos. Eu expliquei a situação pela qual passa o Estado. E é bom que se diga que há um grande esforço, o governo atual pagou em 2015, 2016 e 2017 aquele completivo do piso e isso implicou em quase R$ 200 milhões por ano. Nós pagamos também a progressão, a diferença de nível de professores que teve um reflexo de quase R$ 25 milhões. É um direito dos professores e estava atrasado há bastante tempo. Então nós tivemos um acréscimo de R$225 milhões por ano no orçamento de um Estado que não consegue sequer pagar os salários em dia. É um esforço muito grande. Não que eles não mereçam, a gente acha que os professores deveriam ter uma remuneração melhor, mas, infelizmente, o Estado não tem condições atualmente de dar qualquer tipo de reajuste.

http://www.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a9741401.xml&template=3898.dwt&edition=30766&section=3593 

 

Após protestos de estudantes, escolas antes ocupadas ainda apresentam problemas

Este deve ser o último ano da vida escolar de Marcos Anderson da Silva Mano, 19 anos, no Colégio Emílio Massot, no bairro Azenha, na Capital. Embora esteja focado na preparação para garantir uma vaga na UFRGS – no curso de Matemática ou Sociologia –, o aluno do terceiro ano do Ensino Médio mantém no horizonte a vontade de melhorar as condições da instituição na qual estuda há 11 anos e que o motivou, em 2016, a participar da primeira ocupação estudantil de escola pública de Porto Alegre.

– É o meu último ano, e sou muito apegado à escola. Temos que fazer a nossa parte – conta o morador da Restinga que, nas férias, ajudou a pintar os banheiros e a sala dos professores com tintas doadas e a organizar o depósito de livros didáticos.

Entre as demandas apontadas pelos alunos em maio de 2016, que levaram à ocupação, estava o atraso no repasse da verba da autonomia financeira, falta de docentes e funcionários e parcelamento dos salários dos professores. Na época, o dinheiro foi depositado na conta da escola, os recursos humanos chegaram mas, novamente hoje a Emílio Massot enfrenta o atraso da verba da autonomia.

Conforme a equipe diretiva, o mês de fevereiro foi pago, mas faltam repasses desde outubro de 2016. Com isso, a manutenção da escola que atende 1.050 estudantes dos ensinos Fundamental e Médio, EJA (Ensino Médio) e técnico em contabilidade fica prejudicada. Segundo a Seduc, os repasses não ocorreram no prazo devido a atraso na prestação de contas, que é feita pela própria escola. A secretaria também afirma que os atrasos correspondentes aos meses de outubro, novembro, dezembro e janeiro foram quitados em fevereiro.

Marcos se sente motivado a seguir envolvido com a escola: cita a necessidade de reforma na pracinha infantil, aponta o muro que está caindo, planeja atividades envolvendo a comunidade. Em 2016, foi presidente do grêmio estudantil e pretende candidatar-se novamente. No futuro, sonha em lecionar na Emílio Massot.

O colega Douglas da Silva Silveira, 17 anos, complementa:

– Vou focar nos estudos para entrar em uma universidade pública. Houve um tempo em que eu perdi a esperança (de melhoria na educação). Mas aprendi muita coisa no ano passado, mudou meu jeito de pensar.

roberta.schuler@diariogaucho.com.br

ROBERTA SCHULER

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