Correntes nos meus pés

Correntes nos meus pés

Não quero escolher o meu chicote, quero é quebrar as correntes nos meus pés 

Helena Silvestre, do Movimento Luta Popular 

30/03/2016

Sou parte daquelas 200 milhões de pessoas do Brasil que não foram pra nenhuma das passeatas da Avenida Paulista. Sou uma João ninguém, uma Maria ninguém, que olhou as duas manifestações e não enxergou nelas nada que me mobilizasse as pernas pra ir até lá com meus sonhos, revoltas e necessidades. 

No meio de todo esse tiroteio de informações, manipulações, opiniões e ataques, resolvi respirar fundo e esperar um pouco. As minhas opiniões são muito polêmicas – aliás, há muito tempo – e sempre as defendo com todas as forças de quem acredita que é possível ir além do muro que nos impuseram.

Em primeiro lugar, quero dizer que não escrevo aqui para acusar ou ofender ninguém: nestes tempos polarizados, vale a pena lembrar que a tolerância com as formas diferentes de pensar é ainda uma bandeira que carrego, como sempre carreguei.

Eu me chamo Helena e há muitos anos sou militante: militei na juventude católica na quebrada onde nasci e me criei, militei em movimentos de moradia, militei e milito no movimento de cultura periférica e hoje ajudo a construir um pedacinho do que quero pro futuro, um movimento chamado Luta Popular.

Muitos companheiros me perguntam qual é a minha opinião, o que eu tenho achado de tudo isso e agora, depois de decantar os pensamentos, acho que devo escrever.

Fala-se muito do “impeachment” e hoje, por hoje, ele está prestes a acontecer. Não fui pra Paulista defender o impeachment porque nada que faz parte deste regime político resolverá os problemas daqueles que tem as mãos calejadas de trabalhar e encher os bolsos dos patrões. Michel Temer é uma raposa que virá com tudo atacar os trabalhadores e, se ele assumir a presidência da república, estarei nas ruas no dia seguinte com a minha cartolina escrito “Fora Temer!”. Quem me conhece sabe que pode acreditar.

Fala-se muito de “golpe” e, hoje, por hoje, não vejo a possibilidade de ocorrer um golpe militar. Nunca se pode dizer que ele é impossível, afinal, estamos dentro do capitalismo mas é preciso perguntar porque um golpe aconteceria. E, depois de me fazer as perguntas e tentar respondê-las, percebi que não há motivo algum.

Os bancos seguem ganhando, eles sempre ganham.

Na lista da Odebrecht estavam quase todos os partidos (com exceção de dois) e sabe porque? Porque eles nunca perdem. Os capitalistas, banqueiros e os industriais da FIESP “investem” na política e, pra não correr riscos, apostam em todas as siglas da roleta eleitoral. Assim, seja qual for o número, pra eles é bingo! Bingo! Contra os pobres! Bingo! Contra os trabalhadores! Bingo! Contra os negros e negras! Bingo! Contra as mulheres e os LGBT’s! Bingo! Contra os indígenas, contra os quilombolas, contra a juventude da quebrada!

Eles seguem ganhando. Então porque haveria um golpe militar? Não, não acho que vá acontecer.

Fala-se também em “fascismo”, “intolerância”, “ataque à democracia”, “manipulação da mídia”. Ok! Vamos lá.

Pessoas foram agredidas por usar vermelho. Eu uso vermelho. É parte da tradição dos lutadores e vou seguir utilizando. Gritaram: – É fascismo! E quando te matam todo dia pela cor da sua pele preta? Foda né? Não dá pra trocar de pele. Não dá pra trocar de passado. Lamentavelmente ninguém chamou vigilia em defesa da democracia nas universidades quando aconteciam as chacinas do Cabula, da Ceilândia, do Jardim São Luiz e da Favela da Maré. Então abro meus olhos e percebo: muitos (não todos, não serei injusta) dos que hoje gritam nem sussurravam quando nossos meninos pretos estavam sendo massacrados na calada das noites nos becos e vielas Brasil afora.

Intolerância? É verdade, há muita intolerância. Mas ela não começou agora. Ela acontece toda vez que os “evangélicos” jogam bombas nos terreiros e o governo do PT mesmo assim faz acordos e mais acordos com a bancada evangélica pra não perder seu lugar de poder. Intolerância? Claro que sim! O Brasil é um dos países onde mais LGBT’s são assassinados apenas por viverem livremente suas escolhas e os governos – do PSDB ao PT, do PSD ao PMDB e outros – não movem uma palha pra criminalizar a homofobia e negociam cargos usando como moeda de troca as nossas vidas enquanto enviam o kit anti-homofobia de volta pra gaveta, sem colocá-lo a serviço da democracia que agora todo mundo fala de boca cheia.

Ataque à democracia? São muitos. A minha coleção já não cabe nas cicatrizes deixadas no peito e no couro pelas polícias de Geraldo Alckmin do PSDB que dá medalhas a quem mata mais preto e também de Rui Costa do PT que chama policiais assassinos de artilheiros diante do gol. Ataque à democracia? Claro que sim. Uma lei antiterror foi sancionada pela presidenta da república este mês transformando os lutadores em criminosos. Ataque à democracia? Claro que sim! Reforma da previdência, demissão de servidores públicos, veto a auditoria cidadã da dívida, mãos dadas pra entregar o petróleo, PL555 pra privatizar o restinho das empresas estatais que sobraram, ufa! Tô sem fôlego. Tô sem palavras.

A volta dos militares? Pergunta ao povo do Haiti o que eles acham dos militares que o governo federal manteve e mantém por lá todos esses anos. A volta dos militares? Pergunta pro povo das favelas da Maré e das favelas do Alemão no Rio. Mas por eles ninguém chamou vigílias nas universidades, né? Ninguém chamou a lutar pela democracia, né? A CUT e o PT não foram pras ruas.

Manipulação da mídia? É claro que sim! E não é de agora. A Rede Globo é golpista desde 1960. E faço então uma pergunta: Porque o Ministério das Comunicações não cassou as concessões da Rede Globo? Ela deve milhões de reais ao BNDES e mesmo assim teve suas concessões renovadas no interior dos governos PTistas sem apresentar as certidões negativas de débito com a união.

Há motivos para um impecahment? Talvez não. Mas sabem porque os 200 milhões de oprimidos e explorados não estão nas ruas defendendo o governo? Porque tristemente este governo se juntou com a direita pra dar um golpe nos trabalhadores e trabalhadoras.

Lembra do Kassab? Aquele que era prefeito quando a favela do moinho pegou fogo misteriosamente algumas vezes? Pois é, ele hoje é Ministro das Cidades. Tapa na cara de favelado.

Lembra da Kátia Abreu? Aquela que representa o agronegócio que assassina Guarani Kaiowá, Quilombola, Sem-Terra? Pois é, ela hoje é Ministra da Agricultura. Tapa na cara do povo do campo.

Sabe o Michel Temer? Ele é vice-presidente. Sabe porque? Porque foi feito um acordo entre o PT e o PMDB e posso garantir a você que os mais prejudicados com isso foram e são os pobres.

Nunca acreditei no “Estado Democrático De Direito” que todo mundo defende agora. Sabe porque? Porque democracia política sem democracia econômica é uma falácia, é uma mentira.

Você tem o “direito à moradia”, se tiver dinheiro pra comprar. Você tem “direito à saúde”, se tiver dinheiro pra comprar. Você tem “direito à educação”, se tiver dinheiro pra comprar. E por aí vai. Quem não tem dinheiro, no “Estado Democrático de Direito”, não tem também direitos.

Os políticos são todos corruptos. Isso significa que é aceitável que sejam todos corruptos?

A justiça é seletiva? Na favela a gente sabe disso há muito, mas muito tempo. Triste do povo que tem Sérgio Moro como herói.

A polícia é seletiva? O povo negro sabe disso há muito, mas muito tempo. Triste do povo quem tem o “japonês da federal” como herói.

Mas eu sou muito otimista e a minha esperança sempre vence os meus medos.

Quero ir pras ruas. Quero ir pra defender outra coisa. Quero defender que seja o povo quem decida e não esse congresso podre com o corrupto Eduardo Cunha na cabeça. Quero Fora Todos Eles!Então, que sejam eleições gerais. Não aceito Michel Temer presidente! Que o povo decida quem vai ser presidente.

Eleições onde não possam participar nenhum dos envolvidos comprovadamente em qualquer esquema de corrupção. Eleições em que as empresas não possam investir (Ops! Financiar) em campanhas eleitorais. Eleições em que os vereadores e prefeitos ganhem o mesmo salário que os professores municipais. Eleições em que os deputados estaduais e governadores ganhem o mesmo que os professores da rede estadual. Eleições em que deputados federais, senadores, juízes e presidente ganhem o mesmo que os professores das instituições de ensino federais.

Mas não apenas eleições. Na roleta política do “Estado Democrático de Direito” eleições não são e nem serão a nossa salvação.

Quero que o povo se organize em Comitês Populares Pra um Governo Dos Trabalhadores e Do Povo Pobre Das Periferias. Que cada bairro construa seu comitê. Que em cada fábrica, os trabalhadores construam seus comitês. Que em cada escola pública e em cada Universidade, os estudantes construam seus comitês. Que estes comitês construam sua pauta, suas reivindicações e seus critérios para o governo acontecer. Que estes comitês sejam reconhecidos pelo governo como instrumentos legítimos de decisão dos rumos da política e como fiscalizadores dos governos e dos políticos. Eu quero que o povo pobre e os trabalhadores governem, sem a direita branca, reacionária e atrasada que vem afundando o Brasil há séculos roubando tudo, até merenda de escola. Sem os corruptos de todos os partidos, inclusive os do PT que passaram estes 12 anos abraçados com essa mesma direita. Sem os patrões da FIESP ou da Odebrecht.

Eu quero que o povo pobre e os trabalhadores governem e, se a gente errar, pelo menos serão passos num caminho longo de lutas e conflitos pra retomar o que é nosso: Nossa riqueza, nossa dignidade, uma democracia nossa, de verdade, abrindo caminho pro futuro.

Se as antigas organizações não servem mais aos trabalhadores, que a gente possa errar reconstruindo novas organizações que sejam ferramentas nas mãos calejadas de quem trabalha. Isso sim mobiliza as minhas pernas pra marchar e minha voz para gritar.

Por essas coisas eu vou pra rua dar a minha minúscula contribuição pra que o sol de amanhã possa nascer sem medos, tristezas e injustiças. Pra que o amor possa ser a canção que os oprmidos cantam na festa que vai comemorar a nossa liberdade.

- See more at: http://cspconlutas.org.br/2016/03/eu-nao-quero-escolher-o-meu-chicote-eu-quero-e-quebrar-as-correntes-nos-meus-pes-por-helena-silvestre/#sthash.EI2pLNhG.dpuf 




ONLINE
15